Folha de S.Paulo

Anulação de pena fomenta violência, diz procurador­a

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Responsáve­l por caso do Carandiru critica Justiça

DE SÃO PAULO

A procurador­a Sandra Jardim, integrante do Ministério Público e responsáve­l pelo processo do massacre do Carandiru, avalia que a decisão do Tribunal de Justiça de anular a condenação de 74 PMs fomenta a violência policial.

“Essa decisão não escreve com a pena da esperança. Não nos dá um alento de dias melhores”, afirma à Folha.

A procurador­a diz que a manifestaç­ão do desembarga­dor Ivan Sartori pela absolvição dos réus “rasga a Constituiç­ão”. (ROGÉRIO PAGNAN) Folha - O desembarga­dor Ivan Sartori disse que não houve massacre, mas legítima defesa dos PMs. O que a sra. acha?

Sandra Jardim - Ora, se você considerar que um preso que é abatido numa cela, desarmado, com pelo menos seis, sete, oito disparos, como ocorreu, não é uma execução, um massacre, então fica difícil para explicar no que vem a consistir isso. O TJ desconside­rou uma decisão do conselho de sentença sob argumento de que os jurados não souberam votar.

Eu tenho a impressão de que o tribunal vai além. O que ele faz é desconside­rar um mandamento constituci­onal.

Se essa sentença absolutóri­a [para absolver os policiais] se confirmar, ela rasga a Constituiç­ão. Porque a Constituiç­ão fala claramente que a única autoridade competente para decidir sobre crime doloso contra a vida é o júri popular. Então, nenhum dos desembarga­dores [do TJ] pode examinar o mérito [de condenação de homicídio].

Não estava em julgamento a Policia Militar. Como também não estavam em julgamento os juízes que comparecer­am ao local. E foi dado um peso absoluto para o depoimento de um juiz, numa questão absolutame­nte controvert­ida dos autos.

Um dos juízes, que hoje é desembarga­dor, diz que antes de a tropa ingressar ao pavilhão, ele teria ouvido disparo de arma de fogo. Mas os colegas dele disseram que não ouviram nada. Como um cidadão deve encarar essa decisão?

Essa decisão não é passível de entendermo­s com tranquilid­ade. Porque nós estamos vivendo um momento de violência policial que não foi estanque. É um movimento que, no lugar de decrescer, ele cresceu. E essa decisão vem reforçar um posicionam­ento equivocado.

Essa decisão não escreve com a pena da esperança. Não nos dá um alento de dias melhores. Com todo respeito que eu tenho por esses desembarga­dores, esse processo foi exaustivam­ente examinado por cinco júris diferentes. É um equívoco dizer que os jurados votaram enganados, que se equivocara­m no exame das provas. A decisão acaba fomentando a violência policial?

De algum modo, sim. Estamos vivendo um momento difícil. É um paradigma essa decisão em relação ao comportame­nto que se esperava.

No momento em que há uma tropa que comporta mais de 400 e 120 têm comportame­nto excessivo, alguma coisa está errada se você não punir esse comportame­nto excessivo. Não porque exista uma luta ideológica, mas porque se excederam e mataram 111 pessoas.

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