PERGUNTAS
1. O que é judicialização da saúde?
É a tentativa de obter medicamentos, exames, cirurgias ou tratamentos, aos quais os pacientes não conseguem ter acesso pelo SUS ou pelos planos privados, por meio de ações judiciais. Os pedidos normalmente são feitos com base no direito fundamental de todo brasileiro à saúde.
2. Por que esse tema está sendo tão debatido ultimamente?
Nos últimos anos, o número de processos e o gasto dos governos com ações judiciais têm crescido tanto a nível federal quanto em Estados e municípios. O total de condenações do Estado de SP, por exemplo, quase dobrou nos últimos cinco anos.
3. Quando essa prática começou?
A partir da década de 1980, com a progressiva constitucionalização dos direitos sociais e as dificuldades do Estado em prover esses serviços efetivamente. O envelhecimento da população, a crise econômica e os cortes no orçamento da saúde contribuíram para o atual aumento dos casos.
4. O que o STF terá que debater no julgamento desta quarta (28)?
Os ministros vão discutir sobre a obrigação do Estado em fornecer medicamentos considerados de alto custo, que estão fora da lista doSUSouqueaindanão são registrados na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) —e, que, por isso, não podem ser vendidos no Brasil.
5. O que motivou esse debate?
Dois processos que chegaram ao STF. O primeiro, de 2007, trata de um recurso impetrado pelo governo do RN após o Estado ser obrigado a fornecer um medicamento de alto custo a uma paciente que não tem condições financeiras de comprá-lo. O segundo, de 2009, ocorre depois que uma paciente de MG, com doença renal crônica, pediu à Justiça que o Estado custeasse o acesso a um remédio sem registro na Anvisa na época, mas aprovado em outros países. Com o pedido negado, ela recorreu.
6. Por que a decisão do STF é importante?
Como o supremo já decidiu que os dois casos são de repercussão geral, a decisão deve influenciar outras ações judiciais pelo país. A avaliação é esperada por governos, membros do Judiciário, entidades de saúde e representantes de pacientes, entre outros.
Aos dois anos de idade, Luís Eduardo Garcia Próspero recebeu o equivalente a uma sentença de morte.
Portador de mucopolissacaridose, doença genética rara que impede o processamento de moléculas do açúcar, soube que dificilmente chegaria à adolescência. Sua saúde iria gradualmente piorar, até que o coração parasse de vez.
Ouviu dos pais que deveria viver da melhor forma possível e priorizar a qualidade do tempo em vez da quantidade. Perdeu parte da visão e do tato, teve problemas musculares, ósseos e do coração. Até que, aos 13, seu prognóstico mudou drasticamente .
Após entrar em um estudo clínico de um novo medicamento,
SÉRGIO SAMPAIO
presidente da Abram sua doença parou de avançar e ele até melhorou os movimentos e a visão. Luís Eduardo fez faculdade, arrumou emprego e cursa a segunda graduação.
O problema é que sua sobrevida custa R$ 2,5 milhões, valor gasto por ano com o seu tratamento pela Secretaria Estadual da Saúde de SP, obrigada por decisão judicial.
E, dependendo da decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a distribuição de medicamentos de alto custo pelo SUS, pacientes como ele poderão perder o direito ao custeio de suas terapias.
Luís Eduardo sente como se estivesse prestes a receber uma nova sentença de morte. Seu sentimento é compartilhado por outros pacientes com tratamentos caros.
“O Supremo tem que evitar um genocídio”, diz Sérgio Sampaio, presidente da Abram (Associação Brasileira de Assistência à Mucoviscidose). A entidade reúne pacientes com fibrose cística, doença cuja terapia pode custar R$ 30 mil por mês.
A doença, hereditária, provoca um acúmulo de muco no pulmão e em outros órgãos, o que dificulta a respiração e eleva a chance de infecções.
A biomédica Miriam Figueira, 28, do Rio, recebeu o diagnóstico aos 13 anos. Teve diversas infecções e tomou diferentes medicamentos, até que eles pararam de funcionar.
O único remédio que produz efeito, diz, é um importado que não tem registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), embora seja liberado pelo FDA, o órgão equivalente dos EUA.
Para obtê-lo pelo SUS, Miriam teve de recorrer à Justiça, e renova o pedido a cada seis meses. “Preferia não fazer. É muito estressante, já tive uma decisão negada e a família ficou desesperada”, diz.
Miriam argumenta que, com uma melhor gestão, e um registro mais rápido de novos produtos, seria possível diminuir os gastos do Estado com casos como o dela. “Tive menos internações depois de mudar o remédio”, afirma.
A defensora pública do Rio Thaísa Guerreiro, que atua em casos como o dela, acrescenta outro obstáculo para os pacientes e sistemas de saúde.
“Muitas vezes, a indústria farmacêutica não tem interesse em pedir o registro de medicamentos no Brasil porque o número de pacientes é pequeno, e não compensa o custo de fazer os estudos clínicos necessários à aprovação”, diz.
Diferente de Miriam, a assistente administrativa Maika Soares não teve que ir à Justiça para o tratamento para sua filha, que também tem fibrose cística. Mas o temor e a angústia são os mesmos.
A rede pública de SP entrega a ela vitaminas, antibióticos e outros medicamentos que a garota de 4 anos precisa e custariam R$ 30 mil. É o que mantém a garota viva e, mesmo assim, com uma rotina longe de normal —com infecções constantes, ela ainda não teve autorização médica para ir à escola, por exemplo.
Maika teme, porém, que a decisão do STF abra caminho para que os remédios deixem de ser fornecidos, o que causaria impacto incalculável o prognóstico da criança.
“É como se ela estivesse no corredor da morte”, afirma.
“
O STF tem que evitar um genocídio. A depender da decisão, pode dar aval ao extermínio de pessoas com doenças raras “indústria não tem registro do remédio no Brasil porque o
THAÍSA GUERREIRO
defensora pública do Rio