O papel das aspas, do artigo...
ANTONIO PALOCCI nem havia chegado a Curitiba e já espocavam títulos nos sites etc. Vejamos estes dois: “Preparado para prisão havia quatro dias, Palocci negará ser o ‘italiano’”; “Há 4 dias preparado para prisão, Palocci negará ser ‘italiano’”.
O segundo título estava na capa do UOL. Clicando-se nele, chegavase ao primeiro, da Folha. O caro leitor notou as aspas em “italiano”? O que me diz do papel delas? O sentido mudaria se elas não existissem?
O sentido mudaria, sim, e como mudaria! Não é preciso dizer que quem tem o sobrenome Palocci é italiano ou descendente; mesmo que tenha nascido fora da Itália, tem direito à cidadania italiana, o que, para todos os efeitos, dá ao descendente o status de cidadão italiano.
Sem as aspas em “italiano”, informar-se-ia que Palocci iria negar o status de cidadão italiano (e não importa aqui discutir as possíveis razões que poderiam levá-lo a essa negativa; o que importa é mostrar o que a falta das aspas provocaria).
Com as aspas, o sentido é outro, e só se descobre qual é esse sentido com o conhecimento do contexto em que se insere o termo “italiano”. Como se sabe, na papelada apreendida pela Polícia Federal havia um “italiano”, alcunha que se imaginava fosse de Guido Mantega.
Moral da história: o site e o jornal informavam que o ex-ministro Antonio Palocci pretendia dizer que não é o “italiano” que aparece na papelada, no livro-caixa, nos e-mails e sabe-se lá em que outros documentos apreendidos pela PF.
Como se vê, o site e o jornal empregaram bem as aspas. O problema é saber se todos os leitores perceberam isso. Cá entre nós, muita gente nunca nota a presença das aspas; há também os que nem sabem para que elas servem, o que se comprova, por exemplo, quando um articulista faz uma citação e, justamente por isso, põe entre aspas essa citação. O que fazem alguns leitores, despreparados, desocupados e maleducados? Furibundos, escrevem para o articulista, para execrá-lo pelo que “escreveu”... É dura a vida!
Se antes da internet, das redes antissociais, dos celulares multifuncionais etc. muita gente já não notava as aspas, imagine agora que a leitura é de “esgueia”, como se diz no interior. Mas isso não impede esses “leitores” de atirar para todos os lados. Que Deus nos ajude!
É de notar também a sempre delicada questão do emprego e do não emprego do artigo (definido, nos exemplos citados). Não poderia haver artigo se “italiano” indicasse a cidadania; quando “italiano” é a alcunha, o artigo pode aparecer ou não, o que no caso se explica pelo fato de não se empregarem os artigos nas manchetes de sites e jornais.
Pode ocorrer o mesmo problema com o artigo indefinido. Se alguém começa uma conversa dizendo, por exemplo, que tem medo de homem (ou de mulher), o sentido é um; se começa dizendo que tem medo de um homem (ou de uma mulher), a coisa é totalmente diferente.
Na imprensa, por causa da tendência de eliminar o artigo (definido e/ou indefinido), pode haver forte ruído na comunicação.
Recentemente, foi publicado um título com a expressão “cheiro de pobre”. Lida a notícia, constatavase que se tratava especificamente de um pobre e não de todos os pobres, o que talvez não atenue a gravidade do fato, mas condiz com o que ocorreu. Teria sido melhor escrever “cheiro de um pobre”. É isso. inculta@uol.com.br
Cá entre nós, muita gente nem nota a presença das aspas; há ainda os que nem sabem para que elas servem