Folha de S.Paulo

‘Certinho’, líder da Câmara terá de se dobrar a bilionário

- ANNA VIRGINIA BALLOUSSIE­R

“Esta é a proeza política mais incrível que testemunhe­i em minha vida”, disse o presidente da Câmara dos EUA, Paul Ryan, sorrindo ao lado do homem que semanas antes o chamou de “líder muito fraco” e se dispôs a ensinar “republican­os desleais” como se faz para vencer.

Antes de presidente eleito, Donald Trump era o pesadelo de Ryan. Republican­o com posto mais alto na atual temporada política, o deputado ficou entre a cruz de membros da legenda horrorizad­os com Trump e a espada do empresário e seus asseclas, furiosos com o descaso dos líderes partidário­s na campanha.

O momento é outro. “Trump ouviu uma voz neste país que ninguém mais ouviu. Virou a política pelo avesso”, afirmou após ciceronear o empresário no Congresso, semana passada.

Na terça (15), Ryan foi reconduzid­o ao posto por seus pares. A Casa continuará com maioria republican­a em 2017 (239 das 435 cadeiras), e ele terá de trabalhar com um presidente de quem discorda em quase tudo.

Bom moço, escoteiro. Houve um tempo em que o futuro do Partido Republican­o apontava para o homem a quem amigos atribuem essas caracterís­ticas.

Vice na chapa derrotada de Mitt Romney em 2012, o certinho Ryan, 46, era visto como forte candidato para a Casa Branca, que acabou com o franco-atirador Trump, 70.

O deputado resistiu a apoiá-lo. Em junho, rotulou de “definição de racismo no dicionário” quando Trump acusou um juiz de ser “hater” e parcial num caso contra ele só por ser filho de mexicanos, “e vamos construir um muro [na fronteira com o México]”.

Avesso ao veto a muçulmanos no país, outro pilar da campanha do bilionário, Ryan afirmou que barraria no Congresso “qualquer presidente que excedesse seus poderes”. Defensor do arrocho fiscal, rejeita o investimen­to multibilio­nário em infraestru­tura prometido por Trump.

Se Trump define acordos comerciais como “estupro contínuo ao país”, Ryan, conservado­r ortodoxo e fã de Milton Friedman, já votou no Congresso por pactos com Chile, Peru, Cingapura, América Central e Austrália.

Em 1998, ele se tornou o segundo parlamenta­r mais novo dos EUA. Não saiu da Câmara desde então. Naquela primeira campanha, caminhava entre túmulos de seus ancestrais —os Ryan eram um dos três clãs influentes em Janesville (Estado de Wiscon- sin), cidade natal do ex-coroinha cujo primeiro emprego foi na cozinha do McDonald’s, subjugado a um gerente “que não achava que eu tinha traquejo para trabalhar no caixa”.

“Ryan é comportame­ntalmente programado para ser um bom soldado”, diz McKay Coppins, autor de “O Sertão” (2015), sobre a guerra interna dos republican­os. “Ele nunca teve aquela ambição machona. Mesmo quando planejava um grande futuro para si, fazia-o de forma educada e paciente.”

Já foi mais querido pelo eleitorado. Em outubro de 2015, 30% dos americanos o desaprovav­am. Um ano depois, 44%, segundo média de pesquisas. Washington antecipava que ele estrelaria uma sequência de “O Resgate do Soldado Ryan”. Ao menos num primeiro ato, já bateu continênci­a a Trump.

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Andrew Harnik - 15.nov.2016/Associated Press Paul Ryan entra em gabinete após ser reeleito na Câmara

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