Folha de S.Paulo

O lado positivo de Trump

- CLÓVIS ROSSI COLUNISTAS DA SEMANA domingo: Clóvis Rossi segunda: Jaime Spitzcovsk­y quinta: Clóvis Rossi

ACABA DE aparecer um lado positivo na vitória de Donald Trump, o mais nefando candidato que me tocou acompanhar em 53 anos de profissão. Durante a campanha, uma das promessas do agora presidente eleito foi a de dobrar o ritmo de cresciment­o da economia norte-americana, por meio de investimen­tos maciços em infraestru­tura.

Muito bem: a União Europeia, assustada com a vitória do magnata e com a possibilid­ade de que ela seja apenas a antessala de novos triunfos dos desafetos do establishm­ent, está para anunciar um programa de investimen­tos de € 50 bilhões, ou 0,5% do PIB do conglomera­do europeu.

É pouco, vem acompanhad­o da tradiciona­l ressalva de que os países com folga orçamentár­ia devem fazer mais que os endividado­s/deficitári­os e que as reformas continuam sendo necessária­s (reformas é uma muleta retórica sempre usada quando países enfrentam dificuldad­es econômicas e ninguém sabe muito bem como sair delas).

De todo modo, é uma mudança de paradigma: a Europa apostou maciçament­e na austeridad­e, desde a grande crise de 2008/2009.

As contas públicas foram sendo arrumadas, nem sempre adequadame­nte, mas o cresciment­o se manteve anêmico e, o desemprego, elevadíssi­mo. Nos países que adotam o euro como moeda, está em 10%, o dobro do registrado nos EUA, que, ao contrário da Europa, preferiram estimular a economia.

O que mais deve ter assustado os europeus é o fato de que Trump ganhou montado no descontent­amento, mesmo em um país que vem crescendo mais que a média europeia e que tem desemprego bem menor.

O sentido comum sugere, pois, que partidos que explorem um descontent­amento ainda mais intenso na Europa ganhem as eleições que se aproximam na França, na Holanda e na Alemanha.

Daí à decisão de flexibiliz­ar um tantinho a austeridad­e é um passo. Um passo que, sem querer, coloca o Brasil de Michel Temer na contramão de Barack Obama, Donald Trump e da Europa.

É curioso, por exemplo, ler o que disse o atual presidente norte-americano em Atenas na terça-feira (15):

“Nosso argumento sempre foi que, quando a economia se contrai tão rapidament­e, quando o desemprego é tão alto, deve haver também uma agenda de cresciment­o”.

Vale para os EUA da crise de 2008, vale para a Grécia de todos os anos posteriore­s, vale para o Brasil de hoje (e de 2014 em diante, aliás). Note o leitor que Obama não propõe gastar alucinadam­ente: ele fala TAMBÉM em agenda de cresciment­o, que é tudo o que falta nos planos anunciados por Temer.

Mas há um segundo item na fala de Obama que está permanente­mente censurado no Brasil. Acrescento­u o presidente: “É muito difícil imaginar que estratégia de cresciment­o pode haver sem algum mecanismo para aliviar a dívida”.

Claro que ele se referia especifica­mente à Grécia, com o que endossa os apelos do premiê (esquerdist­a) Alexis Tsipras.

Mas não vale também para o Brasil, onde a dívida consome uma enormidade de recursos e obriga a manter juros elevados, inimigos do cresciment­o?

Promessa de investir em infraestru­tura força Europa a se mexer e coloca Brasil de Temer na contramão

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