Folha de S.Paulo

A revolta dos que não têm partido

- VINICIUS TORRES FREIRE

OS ALOPRADOS que invadiram o plenário da Câmara temperam com pitadas de ideias podres o caldo da crise brasileira, que tem dado umas fervidas nestes dias. Não entorna pelo país inteiro. Mas preocupa.

É fácil desconside­rar o bando que expulsou deputados federais de suas cadeiras a fim de pedir golpe militar. Quem teve o lazer ou o trabalho de assistir à TV na tarde desta quarta-feira via imagens dos aloprados se alternando, por exemplo, com o caso muito mais sério da revolta dos servidores do Rio.

No entanto, aloprados da extrema-direita voltaram a dar a cara nas ruas desde o Junho de 2013 até a campanha da deposição de Dilma Rousseff. Um deputado inominável­doPSCdoRio­elogiaator­tura em plenário e reivindica o legado da ditadura militar. O PSC é o partido do líder do governo na Câmara, André Moura, aliás padrinho de algumas das mumunhas para dar folga a corruptos públicos e privados.

Por falar nisso, essa molecagem institucio­nal tende a se tornar outro motivo de tensão nacional e do desprezo crescente, chegando ao absoluto, pela política partidária.

Não se trata de dizer que os aloprados são “ovos da serpente”, algum outro clichê repulsivo desta espécie ou que são por enquanto mais do que bandos.

Mais importante é pensar no outro lado, no mundo que deveria ser o da política democrátic­a, governos, Parlamento­s, partidos ou movimentos da sociedade civil ou “coletivos”, o que seja. Isto é, aquelas organizaçõ­es que poderiam dar sentido à grande e já vez e outra explosiva insatisfaç­ão.

Este mundo da política se desfaz, está inerte ou aí se encontram tentativas ainda incipiente­s ou marginais de organizaçã­o. O que vai ser feito das revoltas mudas ou gritantes, que ainda vão perdurar, assim como as nossas várias crises?

Para ficar no assunto principal destas colunas, a crise do emprego ainda deve piorar; o desemprego no final de 2017 ainda seria maior que o de meados deste ano, indicam estimativa­s razoáveis. Mesmo para a abstração que é o PIB, a perspectiv­a para o ano que vem é de estagnação (nenhum cresciment­o, em termos per capita).

A ruína dos governos estaduais, Rio de Janeiro à frente e acima de todos, vai durar anos, vai abalar a economia, causa fúrias e misérias. Não terá solução que não seja dolorosa, embora a dor por ora seja reservada ao povo miúdo. Os governador­es de irresponsa­bilidade criminosa estão soltos.

O governo federal tem um plano econômico que, concorde-se ou não com tal programa, não faz sentido nem dá esperança para a maior parte da população, que de certa forma expressa tal opinião dando notas baixíssima­s ao presidente e preferindo que houvesse novas eleições. Não há conversa que faça sentido para o povo miúdo, quase todo mundo, isto quando não há troça de movimentos de protesto, como o dos secundaris­tas, mas não apenas.

A desconexão entre organizaçõ­es e movimentos políticos maiores e o povo é quase terminal; as alternativ­as não apareceram ou não tem presença bastante. A crise vai durar. Pode permanecer em fervura baixa e contínua. Ou não.

Não é uma boa ideia esperar para ver como é que fica, sem projeto socioeconô­mico ou político crível que dê sentido à revolta ora silenciosa.

Distância entre a população e os políticos fica mais preocupant­e com perspectiv­a de crise longa

vinicius.torres@grupofolha.com.br

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