ENTREVISTA Indústria farmacêutica age como o crime organizado
MÉDICO DINAMARQUÊS LANÇA LIVRO EM QUE EXPÕE FALHAS NA REGULAMENTAÇÃO DE MEDICAMENTOS E SEUS RISCOS À SAÚDE
ENVIADA ESPECIAL AO RIO
O médico dinamarquês Peter Gotzsche, 67, não é um homem de meias palavras. Ele compara a indústria farmacêutica ao crime organizado e a considera uma ameaça à prática da medicina segura.
“Isso é fato, não é acusação. Ela [a indústria] sabe que determinada ação é errada, criminosa, mas continua fazendo de novo e de novo. É o que a máfia faz. Esses crimes envolvem práticas como forjar evidências e fraudes”, diz.
Professor na Universidade de Copenhague e um dos que ajudaram a fundar a Cochrane (rede de cientistas que investigam a efetividade de tratamentos), ele acaba de lançar livro “Medicamentos Mortais e Crime Organizado - Como a indústria farmacêutica corrompeu a assistência médica” (Bookman Editora). Recém traduzida para o português, a obra tem causado alvoroço no meio médico.
Gotzsche reconhece os êxitos da indústria no desenvolvimento de drogas para tratar infecções, alguns tipos de câncer, doenças cardíacas, diabetes, mas expõe no livro dados que demonstram falhas na regulação de medicamentos e os riscos que muitos deles causam à saúde.
No início do mês, ele proferiu uma palestra no congresso mundial de medicina de família (Wonca), que ocorreu no Rio de Janeiro, onde deu entrevista à Folha. Folha - O sr. compara a indústria farmacêutica ao crime organizado. É uma acusação muito séria. O sr. está sendo processado?
Não, porque isso é um fato, não é uma acusação. A indústria sabe que determinada ação é errada, criminosa, mas continua fazendo de novo e de novo. É o que a máfia faz. Esses crimes envolvem práticas como forjar evidências, extorsões e fraudes. Está bem documentado.
Eles dizem que os exemplos que cito no meu livro são velhos, que as práticas hoje são outras. Mas é mentira. Eu documentei crimes cometidos pelas dez maiores farmacêuticas entre 2007 e 2012. Esses crimes estão crescendo, e isso não é surpresa. O sr. é especialmente crítico em relação à área da psiquiatria. Por quê?
As drogas psicotrópicas têm provocado muitos danos aos pacientes e podem se tornar ainda piores quando eles tentam interrompê-las porque aparecem os sintomas da abstinência, mas os psiquiatras muitas vezes negam isso.
Eles aprenderam com a indústria farmacêutica que nunca devem culpar a droga, mas sim a doença.
Não sei de outra especialidade médica onde haja tanto excesso de diagnóstico e de tratamento ou onde os danos dos medicamentos sejam tão debilitantes e persistentes em relação aos benefícios.
“psicotrópicas têm provocado muitos danos aos pacientes e podem se tornar ainda piores quando eles tentam interrompê-las
Qual a saída?
O processo de regulação tem que ser melhorado. É preciso que as agências tenham mais independência e transparência e também encorajar as iniciativas que