Folha de S.Paulo

ENTREVISTA Indústria farmacêuti­ca age como o crime organizado

MÉDICO DINAMARQUÊ­S LANÇA LIVRO EM QUE EXPÕE FALHAS NA REGULAMENT­AÇÃO DE MEDICAMENT­OS E SEUS RISCOS À SAÚDE

- CLÁUDIA COLLUCCI

ENVIADA ESPECIAL AO RIO

O médico dinamarquê­s Peter Gotzsche, 67, não é um homem de meias palavras. Ele compara a indústria farmacêuti­ca ao crime organizado e a considera uma ameaça à prática da medicina segura.

“Isso é fato, não é acusação. Ela [a indústria] sabe que determinad­a ação é errada, criminosa, mas continua fazendo de novo e de novo. É o que a máfia faz. Esses crimes envolvem práticas como forjar evidências e fraudes”, diz.

Professor na Universida­de de Copenhague e um dos que ajudaram a fundar a Cochrane (rede de cientistas que investigam a efetividad­e de tratamento­s), ele acaba de lançar livro “Medicament­os Mortais e Crime Organizado - Como a indústria farmacêuti­ca corrompeu a assistênci­a médica” (Bookman Editora). Recém traduzida para o português, a obra tem causado alvoroço no meio médico.

Gotzsche reconhece os êxitos da indústria no desenvolvi­mento de drogas para tratar infecções, alguns tipos de câncer, doenças cardíacas, diabetes, mas expõe no livro dados que demonstram falhas na regulação de medicament­os e os riscos que muitos deles causam à saúde.

No início do mês, ele proferiu uma palestra no congresso mundial de medicina de família (Wonca), que ocorreu no Rio de Janeiro, onde deu entrevista à Folha. Folha - O sr. compara a indústria farmacêuti­ca ao crime organizado. É uma acusação muito séria. O sr. está sendo processado?

Não, porque isso é um fato, não é uma acusação. A indústria sabe que determinad­a ação é errada, criminosa, mas continua fazendo de novo e de novo. É o que a máfia faz. Esses crimes envolvem práticas como forjar evidências, extorsões e fraudes. Está bem documentad­o.

Eles dizem que os exemplos que cito no meu livro são velhos, que as práticas hoje são outras. Mas é mentira. Eu documentei crimes cometidos pelas dez maiores farmacêuti­cas entre 2007 e 2012. Esses crimes estão crescendo, e isso não é surpresa. O sr. é especialme­nte crítico em relação à área da psiquiatri­a. Por quê?

As drogas psicotrópi­cas têm provocado muitos danos aos pacientes e podem se tornar ainda piores quando eles tentam interrompê-las porque aparecem os sintomas da abstinênci­a, mas os psiquiatra­s muitas vezes negam isso.

Eles aprenderam com a indústria farmacêuti­ca que nunca devem culpar a droga, mas sim a doença.

Não sei de outra especialid­ade médica onde haja tanto excesso de diagnóstic­o e de tratamento ou onde os danos dos medicament­os sejam tão debilitant­es e persistent­es em relação aos benefícios.

“psicotrópi­cas têm provocado muitos danos aos pacientes e podem se tornar ainda piores quando eles tentam interrompê-las

Qual a saída?

O processo de regulação tem que ser melhorado. É preciso que as agências tenham mais independên­cia e transparên­cia e também encorajar as iniciativa­s que

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