Folha de S.Paulo

Sofrer com Tite

- JUCA KFOURI COLUNAS DA SEMANA segunda: Juca Kfouri e PVC, quarta: Tostão, quinta: Juca Kfouri, sábado: Mariliz Pereira Jorge, domingo: Juca Kfouri, PVC e Tostão

É FALSO dizer que a seleção brasileira mostrou, contra a peruana, que sabe sofrer. Ou melhor: não é verdade que tenha sido a primeira vez sob o comando de Tite.

A seleção sofreu e muito no primeiro tempo na estreia do treinador, em Quito, em setembro, até fazer 1 a 0 no segundo, e então marcar mais duas vezes aproveitan­do o desespero equatorian­o.

Como sofreu até abrir o placar contra a Argentina, no Mineirão, para, depois, repetir o roteiro realizado na altitude andina.

Portanto, no mínimo, foi a terceira vez que a seleção sofreu em meia dúzia de jogos, com a terceira vitória e a manutenção de 100% de aproveitam­ento, 17 gols marcados, contra apenas um, que foi contra, de Marquinhos, para a Colômbia.

É marca registrada de Tite saber sofrer, que o digam os corintiano­s —maloqueiro­s e sofredores, graças a Deus! Só que é um sofrimento normalment­e diferente.

Tem mais de sensação de iminência de gol do que propriamen­te de perigo de gol, não sei se me faço entender.

A Argentina, por exemplo, pouco exigiu de Alisson enquanto teve o domínio do jogo. Também o Peru, embora tenha havido uma bola na trave e um pênalti não assinalado, dois lances que, convertido­s em gol, poderiam mudar o jogo.

Apesar disso, imagino, mesmo que o Peru marcasse primeiro, o time de Tite tomaria as rédeas do jogo, quebraria o ritmo dos anfitriões e viraria o placar, tamanha O comediment­o é necessário, a humildade obrigatóri­a, mas não é proibido mostrar que se está feliz a superiorid­ade coletiva e individual da seleção nacional.

O corintiano, por gostar do masoquismo, sofria mais por prazer do que pelos riscos que o time corria.

O são-paulino Cueva pôs as manguinhas de fora no começo do jogo, tomou uma traulitada de Renato Augusto, viu a marcação dobrar para cima dele e aquietou-se.

O rubro-negro Paolo Guerrero nem isso, porque Marquinhos não lhe deu a menor chance.

E a expressão de Ricardo Gareca no banco revelava o quanto ele estava incomodado ao ver Renato Augusto ir jogar na ponta-direita para Philippe Coutinho desequilib­rar pelo meio e Daniel Alves aparecer para triangular com os dois e encaixotar Carrillo, exatamente quem tinha acertado a trave brasileira e aparecia com vigor pela esquerda do ataque peruano.

Tudo isso somado à eficácia que o torcedor palmeirens­e reclama não ver em Gabriel Jesus com a camisa verde e que ele tem tido só com a amarela, ao fazer o gol que fez de azul e dar o passe do segundo. Isso porque tem a seu lado quem tem e um treinador que não o estressa, só confia e estimula. Pode passar horas sem aparecer, mas, quando aparece, tem sido fatal, cinco gols em seis jogos, fora os passes para gols, modernamen­te chamados de assistênci­as, como no basquete ou nos hospitais, sinônimo de ambulância­s. Aliás, até a bola mudou de nome na TV, não é mais a bola, é “essa bola”.

Enfim, a seleção brasileira já está com passagem comprada para a Rússia e Marco Polo que não viaja não viajará porque depois de Donald Trump é capaz de Vladimir Putin passar a atender o FBI, se o cartola ainda estiver na Casa Bandida do Futebol em 2018.

E Tite, por favor, extravase, não precisa dizer que não sabe se merece tanta felicidade.

A falsa modéstia é tão constrange­dora como a soberba ou a vaidade sem limites.

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