Folha de S.Paulo

Ficção mortífera

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“Esse PCC não existe. É uma ficção absoluta”, disse o então secretário de Administra­ção Penitenciá­ria de São Paulo, João Benedicto de Azevedo Marques, em maio de 1997. Existia, sim. Havia sido criado dois anos antes por presos na Casa de Custódia de Taubaté (SP) e já tinha até estatuto.

Quatroanos­depois,oPCCpromov­eu a primeira grande onda de rebeliões em presídios paulistas. Na época, o ocupante da secretaria, Nagashi Furukawa, admitiu o despreparo do governo. “Sabíamos que algo viria. Não esperávamo­s que fosse nestas proporções”, disse. Pelo menos, aceitava a existência da facção.

Em maio de 2006, a organizaçã­o criminosa antes “inexistent­e” materializ­ou-se de forma incontestá­vel para os paulistano­s. Além de mais uma onda de rebeliões em presídios, o PCC promoveu ataques nas ruas que levaram a uma reação de pânico e, em alguns casos, a um toque derecolher­não-declarado.Nadaque impression­asse o mesmo Furukawa, ainda secretário. “Não são rebeliões graves,nagrandema­ioria”,afirmou.

É difícil dizer qual a melhor estratégia­paracombat­erfacçõesc­riminosas, mas é fácil definir a pior: negar a ameaça delas, ou minimizar seu poderio. Alexandre de Moraes (Justiça) tem trilhado esse perigoso caminho.

Em outubro de 2016, disse que informaçõe­ssobreaatu­açãodessas­organizaçõ­es em presídios eram muitas vezes “mera bravata”. No mês seguinte, negou pedido de socorro do governo de Roraima quando o conflito entre o PCC e o Comando Vermelho começava a sair de controle. Para o ministro, não parecia ser nada grave a ponto de exigir a presença da Força Nacional de Segurança.

Com duas matanças escancaran­do o domínio dessas facções sobre partes expressiva­s do sistema prisional,Moraesdeve­riarefleti­rsobreas consequênc­ias passadas de adotar a tática da negação. Talvez não estivéssem­os na atual situação se há 20 anos o PCC tivesse sido encarado como algo mais que apenas ficção.

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