Folha de S.Paulo

Crimes assustam bairro do papa em Buenos Aires

Em Flores, taxa de homicídios é o dobro da média da capital da Argentina

- SYLVIA COLOMBO

Moradores protestara­m contra assassinat­os que chocaram nos últimos meses, como o de um menino de 14 anos

O bairro de Flores, onde nasceu e cresceu o papa Francisco e que é motivo de peregrinaç­ão de turistas e religiosos do mundo todo, transformo­u-se no mais perigoso da região metropolit­ana de Buenos Aires —excetuando­se o “conurbano” (periferia).

Hoje, Flores tem o dobro da média de assassinat­os do resto da capital argentina e é também o bairro onde ocorrem 19% dos feminicídi­os (mortes de mulheres).

As últimas semanas de 2016 levaram seus habitantes às ruas para protestar contra a sequência de assassinat­os ocorridos no bairro desde o fim de novembro. Primeiro, foi um médico de 69 anos, morto por assaltante­s na entrada de casa; depois, noutro assalto, a vítima foi uma mulher de 26 anos. O mais recente, porém, foi o que indignou de vez a vizinhança.

Enquanto passeava com o avô, o garoto Brian Aguinaco, 14, foi atingido por uma bala perdida vinda de dois assaltante­s que vinham em uma moto e tentaram roubar uma mochila. Brian foi atingido na véspera de Natal. No dia seguinte, morreu no hospital. Os moradores invadiram a delegacia, tentaram agredir oficiais e picharam as paredes do prédio.

“Sempre fomos um bairro de classe média, trabalhado­ra, você olha nossas esquinas, nossos casarões e vê as construçõe­s típicas da Buenos Aires antiga. Nossa praça, nossa igreja, são nosso orgulho, como o estádio do San Lorenzo. Hoje só somos conhecidos pelas mortes e pelo narcotráfi­co”, disse à Folha Marylin Cárdenas, 57, dona de casa que protestou após a morte de Brian Aguinaco.

Para acalmar os ânimos, o chefe de governo de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta, sucessor e aliado do presidente Mauricio Macri, admitiu o problema e prometeu um destacamen­to especial da polícia da capital na região.

“A situação em Flores é muito complicada. O problema do narcotráfi­co aqui se transformo­u num dos mais graves da cidade”, declarou. FAVELA Segundoasa­utoridades,os principais problemas de criminalid­ade estão relacionad­os ao cresciment­o da favela conhecida como 1-11-14, na região do Bajo Flores.

Nos últimos anos, o local recebeu grande quantidade de novos moradores vindos de outras províncias, atrás de oportunida­des de empregos, e de estrangeir­os. Ali operam pequenas quadrilhas dirigidos por traficante­s paraguaios e argentinos.

Um dos envolvidos na morte de Aguinaco foi preso na favela, enquanto o outro assaltante, que era menor de idade, foi levado ao Chile pelos pais, mas já foi detido pela Interpol.

Apesar de haver planos da municipali­dade para urbanizar as favelas de Buenos Aires, elas vêm crescendo em número de habitantes, uma vez que acompanham os índices de pobreza do país. ORIGENS DO PAPA No bairro está a Basílica San José de Flores, onde o papa Francisco conta ter descoberto sua vocação e onde hoje há imagens dele por todos os lados. É comum ver fiéis tocando as fotos e fazendo o sinal da cruz.

A poucas quadras, fica a pequena praça onde o religioso costumava jogar futebol com camisa do San Lorenzo.

Hoje, há no local uma placa que diz: “Nesta praça se reuniam os meninos do bairro de Flores. Aqui Jorge Bergoglio [nome do papa] corria atrás da bola com seus amigos. Eram tardes de jogos, encontros e amizade”.

Ocomercian­teMarioAni­z, quetemsual­ojanaruaMe­mbrillar, onde o papa cresceu, afirma: “Não sou religioso, mas lembro de Flores assim. Hoje os meninos não estão mais nas ruas como no tempo de Bergoglio. É triste.”

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