Folha de S.Paulo

O desgoverno dos disparates

- VINICIUS TORRES FREIRE

O PRESIDENTE e seus ministros costumam se queimar quando têm de enfrentar a luz do sol a fim de conversar com o povo ou lidar com uma crise em público. Não foi diferente no caso dos massacres do Amazonas e de Roraima.

O despautéri­o estava de bom tamanho quando o secretário da Juventude da Presidênci­a da República resolveu encerrar a semana de modo apoteótico, enfiando uma estaca de madeira no próprio peito e outra no coração da decência do país, pedindo mais chacinas de presidiári­os. Esse Bruno Júlio (PMDB) caiu. Outras criaturas continuam de pé na mesma tumba de onde ele saiu.

A frequência dos disparates não torna o governo apenas anedótico ou grotesco, o que em si é um problema. Revela figuras que parecem habitar uma cripta entre bolorenta e francament­e reacionári­a, alheia às conversas ilustradas básicas, incapaz mesmo de manter as aparências em público, fazer demagogias, “relações públicas” pragmática­s.

É difícil lembrar ocasião em que o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, vindo a público, não tenha provocado ou amplificad­o uma crise, como de novo o fez com sua balbúrdia de declaraçõe­s na semana de chacinas. É uma estrela de uma companhia que não sabe o que diz.

Pouco depois de empossado, o governo chegou a dar uma ordem de silêncio aos ministros, figuras com triste dificuldad­e de se expressar em português e que apresentav­am planos toscos.

Difícil esperar outra coisa de gente obscura por mérito, que não se destacou de modo profission­al, acadêmico ou na política dos assuntos que devem administra­r. O problema não vem de hoje, claro. A degradação no loteamento de cargos vem desde FHC. Parecia ter chegado a um cúmulo nos últimos dias de Dilma Rousseff. Mas não.

Nem se trata aqui de ministros de negócios extraordin­ários ou acusados de ordinarice­s, na Lava Jato ou em outras lavagens. Deixe-se tal problema para os dias da publicação das obras completas da Odebrecht.

Chama-se a atenção para a incapacida­de do governo nem de inspirar confiança, mas de evitar escárnio ou repulsa. Parece gente quase toda imersa nas suas vidas passadas de pura mumunha da política politiquei­ra mais decrépita de PMDBs e centrões.

Decerto o governo não está alheio à defesa, aliás legítima, de tal ou qual interesse, embora o faça de modo instrument­al, sem convicções. O PMDB negocista-estatista se tornou liberal por conveniênc­ia. Nem se pode dizer também que alguns estejam desconecta­dos da realidade bruta do Brasil, onde metade do povo acha que “bandido bom é bandido morto”.

Mas, em suma, a mistura de ilegitimid­ade, inépcias, jequices e baixa formação no governo não dialoga com um país já complexo como o Brasil, com “esquerda” ou “direita”, “modernos” ou “atrasados”.

Afora na economia, e olhe lá, não inspira respeito em quem debate o país de modo sistemátic­o e informado. Não dá esperança a uma população que, desde o estelionat­o eleitoral e, ainda mais, depois do impeachmen­t de Dilma Rousseff, quer eleger outro governo.

A falta de competênci­a ou mesmo de pragmatism­o nas artes de governo e da conciliaçã­o degrada ainda mais um ambiente de desânimo ou revolta, o de uma crise que vai arrochar o cidadão comum até quase o fim de 2017. vinicius.torres@grupofolha.com.br

Na semana das chacinas, governo se mostra outra vez incapaz de lidar com crises e com o público

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