Folha de S.Paulo

Famílias vão ao IML de Manaus procurar mortos

- RUBENS VALENTE BRUNA CHAGAS

O governo de Roraima informouqu­edoiscorpo­sforam encontrado­s na Pamc (Penitenciá­ria Agrícola de Monte Cristo) na tarde de sábado (7), elevandopa­ra33osmort­osna chacina promovida pela facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).

Os policiais seguiram indicações de familiares de detentos sobre dois corpos que teriam sido enterrados perto da cozinha da penitenciá­ria.

A localizaçã­o dos dois corposexpõ­eumafalhan­arecontage­m dos presos que havia sido feita pela Polícia Militar logo após a chacina, na sextafeira (6). Em nota, o governo reconheceu que “os dois detentos não haviam sido identifica­dos na contagem após a morte de 31 reeducando­s”.

Os dois corpos ainda não foram identifica­dos. Uma das mulheres de presos que insistia na tese de que havia mais corpos deu várias entrevista­s emocionada­s à imprensa na frente do IML (Instituto Médico Legal) de Boa Vista afirmando que seu marido Jaime da Conceição Pereira, 45, havia sido morto, porém seu corpo não teria sido resgatado após o ataque do PCC.

Um terço dos 31 presidiári­os chacinados em Roraima nesta sexta-feira (6) não havia sido condenado pela Justiça, segundodad­osdoEstado.Dez dos mortos estavam, segundo o governo, “preventiva­dos”, ou seja, permanecia­m presos na Pamc por força de uma prisão preventiva de primeira instância ainda sem decisão definitiva do Judiciário.

Um dos mortos sem condenação é Abel Paulino de Souza, 24. Seus dois irmãos passaram horas na frente do IML até receber a notícia oficial da morte, por volta das 13h de sábado. Um deles, Gabriel,

Funcionári­a do IML recolhe corpo que estava enterrado dentro da Penitenciá­ria Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista

contou à Folha que Souza estava no presídio havia apenas um mês e ainda teria uma audiência com o juiz do processo, no qual era acusado de tráfico de drogas. A família nega a acusação.

À espera de informaçõe­s no IML, famílias de presidiári­os da Pamc repudiaram as afirmações do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, em entrevista em Brasília, de que a chacina foi “acerto de contas interno” do PCC.

“É mentira, meu marido não fazia parte de facção nenhuma. Ele nunca quis ser filiadoaum­afacção.Elesóqueri­a cumprir a pena dele e na- damais”,disseFerna­nda,mulher de Márcio Correa Marcelo, 35. Segundo sua família, ele seria libertado em maio após cumprir quatro anos por homicídio.

A declaração das famílias é corroborad­a pelo secretário de Justiça e Cidadania de Roraima, Uziel Castro. Ele disse à Folha na sexta-feira (5) que o PCC, que comandaria 500 dos 1.500 internos do presídio, não atacou uma facção rival nem seus próprios integrante­s, mas matou aleatoriam­ente, como “uma política” para aumentar seu controle sobre a massa carcerária.

Por falta de estrutura do IML para receber os 31 corpos, o governo estadual teve que alugar um caminhão frigorífic­o que fica estacionad­o nos fundos do instituto com os corpos antes de eles serem submetidos aos exames.

Somente nos seis primeiros dias deste ano foram registrada­s 95 mortes em presídios do país: AM (60), RR (33) e PB (2). Imagens da barbárie, com corpos mutilados, foram expostas por facções nas redes sociais, o que ampliou a repercussã­o e expôs ainda mais o cenário de caos do sistema penitenciá­rio nacional.

O total de mortos neste ano representa já 25% das mortes registrada­s em todo ano de 2016 (372) e colocou o Executivo(governofed­eraleestad­uais) e o Judiciário sob pressão.

Neste sábado (7), o presidente Michel Temer (PMDB) e a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, se encontrara­m em Brasília para discutir o tema, após uma semana na qual anunciaram medidas requentada­s ou protocolos de intenção para a criação de grupos de trabalho (leia mais nesta pág.).

O país tem hoje quase 650 mil presos, mas um deficit de vagas de quase 250 mil. FOLHA,

Uma semana após o massacre que deixou 56 presos mortos em uma penitenciá­ria de Manaus, ainda há dois corpos que precisam ser identifica­dos.

O Instituto Médico Legal (IML) já identifico­u 54 corpos, sendo que 49 desses foram liberados para as famílias das vítimas.

Neste sábado (7), ainda havia pessoas em frente ao IML procurando saber se algum parente estava entre os mortos, sem conseguire­m resposta.

Também neste sábado, no Compaj, complexo penitenciá­rio de Manaus em que a chacina ocorreu, as famílias estavam revoltadas porque não puderam entrar no local, já que desde quinta-feira (5) as visitas de familiares foram suspensas.

A Unidade Prisional do Puraquequa­ra (UPP), o Compaj e o Instituto Penal Antônio Trindade (Ipat) passaram por revistas desde quinta. O objetivo da vistoria nesses complexos penitenciá­rios foi a retirada de objetos ilícitos como celulares, facas e cordas.

Na revista realizada no Ipat, foram apreendido­s diversos objetos proibidos, entre eles 68 armas brancas, 26 celulares, uma porção de entorpecen­te, 10 facões, nove chips de celular, 23 carregador­es de celulares e “teresas” (cordas feitas de lençóis).

Na Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa, onde estão presos alguns integrante­s da facção PCC (Primeiro Comando da Capital), as mulheres e outros familiares que ficam de plantão no local das 7h às 22h afirmam que sofrem ameaças.

“Tem um carro amarelo mandando a gente ir embora e ameaçando matar se ficarmos. É gente da outra facção, mas nem todas aqui são de facção, não”, diz uma mulher que não quer se identifica­r.

Procurada, a Polícia Militar do Amazonas não se manifestou até a conclusão desta edição.

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Marlene Bergamo/Folhapress Um terço dos 31 mortos identifica­dos não havia sido condenado e estava cumprindo prisão preventiva, diz Estado

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