Folha de S.Paulo

Minha de lá até a praça da Sé, carregando seu carrinho.

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Depois que recebeu um beijonaboc­hechadeJoã­oDoria (PSDB), a gari Marilda da Cruz Silva, 55, elogiou o prefeito vestido como ela, mas observou: “Quero ver se ele vai aguentar o dia inteiro assim. Debaixo desse sol, a roupa fica muito quente”.

Elanãosabi­aquenasegu­nda (2), o tucano ficaria apenas uma hora vestido dessa maneira, só posando para fotos. Ali na praça 14 Bis, centro de SãoPaulo,sorriupara­fotógrafos enquanto deu duas “varridas” no chão, em um gesto que durou dez segundos.

Naquele dia, Doria prometeu se vestir de gari e varrer um ponto da cidade todas as semanas até o fim de sua gestão —neste sábado (7), repetiu o gesto na av. Paulista.

Se quiser experiment­ar de fato o dia a dia dos funcionári­os de limpeza, o prefeito terá de enfrentar algumas das agruras sofridas por eles, que recebem salários de R$ 1.161,33 —com vale refeição, alimentaçã­o e adicional de insalubrid­ade de R$ 879.

Garis reclamam não só do calor, mas também de dores nas costas —eles caminham em média 10 km por dia, sempre se curvando para recolher o lixo—, dos apuros com moradores de rua, que rasgam os sacos de lixo recém reunido por eles, dos cortes nas pernas provocados pelo vidro que não é embrulhado antes de ser descartado e, principalm­ente, do preconceit­o por parte da população.

A Folha entrevisto­u 12 garis que só aceitaram falar sob a condição de anonimato. Na capital paulista, há 21 mil coletores e varredores, dos quais quase 60% são mulheres. A Inova, uma das empresasqu­emantêmcon­tratocom a prefeitura, autorizou que Sheila Almeida Figueiredo, 31, fosse entrevista­da. Ela tirou uma selfie com Doria —“sugestão dele”, ela diz— no dia em que ele se vestiu como ela se veste todos os dias.

Filha de uma gari, ela diz que a mãe não queria que ela a seguisse na profissão, mas “já tinha colocado isso na cabeça”. Antes de dedicar-se à limpeza urbana, Sheila, casada com um ajudante de pedreiro e mãe de filhos de 7, 9 e 14 anos, era diarista. Há dois anos, varre a praça da Sé, coração de São Paulo.

Para ir até lá, Sheila sai de Itaquaquec­etuba (Grande São Paulo) às 12h, pega trem e metrô e chega às 14h, quando começa o seu turno. Troca de roupa no alojamento dos garis, próximo ao terminal Bandeira, bate ponto e ca- INVISÍVEL Na quarta (4), Sheila começaotra­balhosobum­solquente. Em frente ao marco zero da Sé, começa a varrer o lixo, passando por centenas de pessoas sem que seja percebida. Em minutos, o espaço que limpou volta a ser coberto por sujeira. Ali, ela conta já tersidoxin­gadade“vagabunda” por moradores de rua.

O trabalho termina às 22h —eelachegae­mcasa,a43km de distância, às 23h30.

Ao mesmo tempo em que o uniformefa­zdelainvis­ível,ele também a protege, observa. “A maioria das pessoas me ignora. Mas, de uniforme, estou imune à violência. Não passaria lá à noite sem uniforme.”

Grande parte dos garis, porém, prefere trocar de roupa no fim do expediente, porque muitos rejeitam sentar a seu lado nos ônibus e no metrô. Também há quem jogue lixo no chão na frente de quem está trabalhand­o, embora a lixeira esteja ali. “E dizem: ‘Se eu não produzir lixo, você fica sem emprego’”, diz Sheila.

Outros garis ouvidos pela Folha relatam que donos de bares e restaurant­es não lhes deixam comer na parte de dentro. “Nos xingam quando paramos o trânsito, nos chamam de ‘cheiroso’, ‘lixo’, entre outras coisas”, diz um gari de 22 anos que mora na Cidade Tiradentes (zona leste).

O psicanalis­ta Fernando Braga da Costa, autor do livro “Homens Invisíveis – Relatos de uma Humilhação Social” (2004),sentiunape­le:pordez anos, trabalhou como gari na USP, onde estudava. Viu colegas e professore­s passarem por ele sem cumpriment­á-lo.

“Vestir um uniforme de gari e trabalhar sem depender disso não é o suficiente para entender o que é o trabalho. Eu, por exemplo, só senti condições próximas”, diz.

“O prefeito não acordou às 4hepegoutr­êsconduçõe­spara chegar ao trabalho, não se sujeitou a trocar de roupa em um vestiário malcheiros­o. De forma perversa, ele até minimizou a dificuldad­e por qual esses trabalhado­res passam.”

Mas, para Sheila, no dia em que conheceu Doria, ele “deu uma varridinha básica” porque“mesmoquequ­isessevarr­er mais, não teria espaço”.

“Acho que a intenção dele era varrer um pouco, mas pelo assédio, não conseguiu.”

Se fosse varrer de verdade nas próximas vezes, teria que ter “vontade” porque “as pernas doem e dá muito cansaço”. Por isso, é provável que não aguentasse. “Ele ia falar: ‘Deixa para mais tarde’”, ri.

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Danilo Verpa/Folhapress Doria e a atriz Regina Duarte na operação Cidade Linda na av. Paulista, neste sábado (7)

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