Folha de S.Paulo

O errado pode dar certo

- TOSTÃO COLUNAS DA SEMANA segunda: PVC, quarta: Tostão, sábado: Mariliz Pereira Jorge, domingo: PVC e Tostão

NESTE PERÍODO do ano, eu queria ser um repórter invisível, para escutar todas as conversas sobre as contrataçõ­es de jogadores e saber os detalhes quenãosãor­eveladosou­confirmado­s.

Com frequência, o desejo de um treinador é diferente do interesse comercial dos clubes. Empresário­s se tornam muito próximos de treinadore­s, dirigentes e atletas e influencia­m em suas decisões. Alguns só negociam jogadores importante­s se os clubes ficarem também com o troco, um atleta medíocre. Há atletas e treinadore­s de um mesmo clube que possuem o mesmo empresário. Tudo é perigoso, pelo conflito de interesses. Mesmo que os interessad­os sejam honestos, a ambição humana é imensa.

Muitos jogadores que fizeram sucesso no início de carreira, que foram para a seleção e para o exterior e que retornam por não haver mais interesse de grandes clubes europeus, voltam para ganhar fortunas, como se estivessem nos melhores momentos. Pior, há muitos, excessivam­ente valorizado­s, que nunca foram excepciona­is. Os clubes não arrecadam tanto para pagar os altíssimos salários de vários treinadore­s e jogadores.

Os clubes inflam os elencos com jogadores razoáveis, medíocres, que ganham bem e que ficam encostados. Quando entram, atrapalham. Falam que vieram para compor o elenco, para somar. A maioria chega para subtrair. Três salários de um medíocre dariam para pagar um de um excelente. Em vez de trazer jogadores ruins, porque não valorizar os bons da base?

O Palmeiras, que, no ano passado, tinha o melhor time e elenco, é o que tem contratado melhor e também o que mais gasta. O rapidíssim­o executivo Alexandre Mattos contrata todos, os bons e os ruins. Se o time for campeão, os gastos com os ruins são relevados.

Dizem que Conca vai se tratar, durante meses, no Flamengo, e que só vai receber seu milionário salário, como se fosse um Neymar, quando começar a jogar. O jovem e bom técnico Zé Ricardo terá dificuldad­es de escalá-lo com Diego, pois os dois, quase sempre atuaram como meias centraliza­dos, sem participar­em da marcação.

Entre várias opções, Zé Ricardo pode escalar Conca voltando para marcar, pela direita, e com liberdade de movimentaç­ão, como faziam Jádson, no Corinthian­s, e Éverton Ribeiro, no Cruzeiro, e como faz Philippe Coutinho, na seleção. Mas são situações diferentes. Aquele Corinthian­s e a atual seleção não atuam com um clássico meia de ligação, como o Flamengo (Diego). Os dois jogam com um volante e dois meiocampis­tas, que atuam de uma área à outra. No Cruzeiro, o meia Ricardo Goulart era, na prática, um segundo atacante, finalizado­r. A tendência atual, em todo o mundo, é não depender de um único armador centraliza­do, ainda mais de dois.

Muitos comentaris­tas adoram dizer que é obrigação dos técnicos escalar sempre os melhores –nem sempre é possível– e citam sempre o exemplo da seleção de 1970, que tinha vários meias. Não é bem assim. O time jogava com três no meiocampo, que protegiam os defensores (Clodoaldo, Gérson e Rivellino), e com três à frente (eu, Jairzinho e Pelé). Não existia o clássico meia de ligação, centraliza­do.

Como o futebol é um esporte de muita imprevisib­ilidade, com várias maneiras de jogar bem e de vencer, em que o time pequeno costuma ganhar do grande, todos possuem um álibi para dizer a besteira que quiser. O errado, às vezes, dá certo.

A imprevisib­ilidade e as várias maneiras de jogar bem são álibis para qualquer um dizer o que quiser

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