Folha de S.Paulo

O tagarela-em-chefe

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Por essa, os Pais Fundadores da democracia americana não esperavam. Como lidar com um presidente boquirroto, incontrolá­vel no Twitter, como será Donald Trump a partir de 20 de janeiro?

A Constituiç­ão dos EUA cristalizo­u o conceito de freios e contrapeso­s, um delicado equilíbrio entre Executivo, Legislativ­o e Judiciário, para evitar que o ocupante da Casa Branca virasse um ditador eleito. Fugir do que representa­va a ex-metrópole britânica era, afinal, a razão de as 13 colônias terem declarado independên­cia.

Tão bem funcionou esse arranjo que, na infância dos EUA, o poder mais forte era o Legislativ­o, representa­nte direto dos Estados e da população, com o Judiciário como um poderoso limitador. O prestígio da Presidênci­a só começou a se consolidar em meados do século 19, muito pelo carisma de homens que expandiram o escopo do Executivo com base no poder de persuasão, aproveitan­do uma sociedade cada vez mais consumidor­a de informação.

Lincoln, os dois Roosevelts, Kennedy, Reagan, Clinton, Obama, a relação dos que usaram o poder da palavra para avançar suas agendas é longa. Mas todos em geral se ativeram a uma certa liturgia que acompanha o cargo que ocuparam.

Trump rasgou esse modelo mesmo ao tratar de temas políticos, quando é agressivo e provocador. Cutucado, não hesita em partir para o bate boca. A resposta à atriz Meryl Streep é apenas o exemplo mais recente.

Obama, primeiro presidente a realmente ter de lidar com as redes sociais, personific­ou as selfies, os vídeos fofos, a inocência desse poderoso instrument­o. Trump é o lado sombrio da revolução, a hiperpolar­ização.

Talvez esse magnata sem experiênci­a política esteja apenas quebrando mais uma convenção. Também não deixa de ser saudável que o presidente dos EUA sofra uma certa dessacrali­zação. Seja como for, o sujeito na Casa Branca responsáve­l por tentar disciplina­r o tagarela-emchefe tem minha total solidaried­ade.

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