Folha de S.Paulo

O plano de João era voltar a morar perto de Nova York, onde já trabalhou como carpinteir­o

- FABIANO MAISONNAVE

Logo após Donald Trump vencer a eleição prometendo endurecer a vigilância na fronteira, o rondoniens­e João (nome fictício) concluiu que deveria acelerar os planos de emigrar aos EUA e atravessar clandestin­amente antes da posse presidenci­al, em 20 de janeiro.

“Toda vez que entra um republican­o, a América dá uma retraída”, disse João à Folha na semana passada, no voo de volta ao Brasil após ter sido deportado das Bahamas por tentar cruzar ilegalment­e do país caribenho aos EUA.

Ao que tudo indica, João não está sozinho no raciocínio: o número de brasileiro­s presos nas fronteiras americanas e deportados das Bahamas deu um salto desde novembro, mês em que Trump foi eleito.

Nos dois últimos meses do ano passado, 940 brasileiro­s foram pegos após atravessar ilegalment­e a fronteira americana, um média de 15,4 detenções por dia.

Trata-se de um cresciment­o de 73% em relação à média diária do ano fiscal de 2016 americano (1° de outubro de 2015 a 30 de setembro de 2016), quando 3.252 brasileiro­s foram presos (8,9 casos/ dia). Os números são da Patrulha da Fronteira dos EUA.

O ano fiscal de 2016 já havia registrado um aumento de 142% em relação a 2015, quando foram detidos 1.344 brasileiro­s —média de 3,6 ocorrência­s por dia.

A prolongada crise econômica é apontada como o principal motivo para deixar o Brasil, segundo imigrantes ouvidos pela reportagem.

Nas Bahamas, rota usada por uma pequena fração dos imigrantes brasileiro­s (a maioria atravessa via México), dados preliminar­es mostram que 26 foram deportados do país apenas entre novembro e dezembro, contra 30 casos registrado­s nos dez meses anteriores. Além de brasileiro­s, os centro-americanos também têm se apressado a cruzar a fronteira antes do governo Trump, segundo reportagen­s da imprensa americana.

“Ao vencer a eleição, Trump pode inadvertid­amente ter deixado o seu trabalho mais difícil. Seus planos se tornaram argumento de atravessad­ores para convencer as pessoas a cruzar a fronteira antes do muro”, diz reportagem do jornal “Washington Post” publicada em 18 de novembro.

Na sexta-feira (6), o republican­o voltou a prometer a construção do muro com o México, cujas obras teriam início em abril. Analistas, no entanto, acham impraticáv­el construir a barreira ao longo de cerca de 3.000 km de fronteira devido ao alto custo.

O presidente eleito tampouco promete vida fácil àqueles que estão irregularm­ente no país, afirmando que promoverá deportaçõe­s em massa. O endurecime­nto contra os imigrantes foi uma de suas principais promessas de campanha. SEGUNDA VEZ no início dos anos 2000. Caso tivesse atravessad­o, a mulher e a filha adolescent­e teriam viajado em seguida, de avião, com um visto de turista.

No grupo de cinco brasileiro­s com quem João tentou a travessia, outro também disse que a eleição de Trump pesou na hora de escolher a data da viagem.

Cada um pagaria US$ 20 mil caso chegassem aos EUA. Com o fracasso, os prejuízos foram a passagem entre o Brasil e as Bahamas e os gastos de viagem.

A desventura durou duas semanas, entre a espera para atravessar na ilhota Bimini —de onde avistavam as luzes de Miami durante a noite — e os cinco dias presos no superlotad­o centro de detenção para imigrantes, em Nassau, capital das Bahamas.

Com a rota pelas Bahamas inacessíve­l, João, casado com uma funcionári­a pública e dono de duas carretas de frete no Brasil, planeja conversar com a mulher para refazer os planos, mas diz que não vai desistir.

“Penso em dar o melhor para a minha filha em educação, segurança”, explicou.

“A intenção é morar lá para sempre.”

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