ANÁLISE Atuação federal na questão das prisões é tímida e desarticulada
Há dois anos sem registrar nenhum assassinato dentro de seus presídios, o Espírito Santo aposta na ressocialização para evitar a violência atrás das grades. Há metas de atendimento jurídico, foco na educação dos detentos, oferta de emprego para ex-presidiários e, para evitar encarceramentos desnecessários, o encontro do juiz com o detido ocorre sempre em até 48 horas depois do flagrante.
Em contraste com o restante do país, a melhora nas condições carcerárias do Estado é relatada desde o sindicato dos agentes penitenciários à Pastoral Carcerária, passando também por OAB e Tribunal de Justiça estadual.
O Estado, tempos atrás, viveu uma severa crise nos presídios e chegou a ser denunciado à ONU em 2010 pela precariedade e superlotação das instalações. Presos eram acorrentados ou mantidos em contêineres por falta de vagas.
Mas, segundo o Estado, desde 2003 e em seguidos governos, houve o investimento de cerca de R$ 500 milhões na estrutura carcerária. Embora ainda acima do ideal, o Estado tem a menor superlotação do país— 16.694 presos para um total de 13.572 vagas.
“Mais do que criar vagas, a ampliação do sistema prisional permitiu espaços para a inserção de programas de ressocialização, com cursos profissionalizantes, ensino e acompanhamento médico”, diz o delegado federal e atual secretário de Justiça do Estado, Walace Pontes.
As penitenciárias têm, por exemplo, que cumprir metas de atendimento jurídico, psicológico ou de saúde oferecido a seus detentos. Enquanto isso, o currículo do ensino regular dado nas cadeias é o mesmo aplicado na rede pública. Por isso, o preso que sai do sistema tem a opção de se matricular na rede pública. MENOS PRESOS Em 2015, o Judiciário local implantou as audiências de custódia, a exemplo do que já ocorria em São Paulo. Pelo modelo, um preso deve estar diante de um juiz em até 48 horas após sua detenção. Nesse momento, decide-se se o criminoso está sendo acusado de um crime grave o suficiente para gerar uma prisão ou se ele pode esperar PI RN TO Brasil RO SE o julgamento em liberdade.
“Existem outras medidas [punitivas] que podem ser mais eficientes que a prisão. Às vezes, não adianta colocar o criminoso no sistema prisional, fazer com que ele perca os laços familiares e sociais e ainda aproximá-lo de outros criminosos”, diz a juíza criminal Gisela Souza, coordenadora do grupo de monitoramento e fiscalização do sistema prisional do Estado.
Já no início de 2016, em parceria com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), as prisões no Estado voltaram sua atenção para a “porta de saída” do sistema.
Por um lado, o Judiciário intensificou a análise de processos dos presos para verificar quais deles já poderiam receber benefícios como redução de pena ou indulto.
Por outro lado, foi criado o “Escritório Social”, que visa construir um plano individual de ressocialização do ex-detento e encaminhá-lo a serviços públicos como acompanhamento psicossocial, qualificação profissional, entrevistas vocacionais e emissão de documentos. Há 200 empresas cadastradas para empregar ex-presidiários.
De acordo com o presidente da Comissão de Política Penitenciária da OAB local, Homero Mafra, o rigor e a organização do sistema disciplinar são fatores que contribuem para o cenário sem mortes ou rebeliões (o último motim ocorreu em 2013).
Já o sindicato dos agentes penitenciários diz que a qualificação da categoria e o avanço da infraestrutura de trabalho na última década são os responsáveis pelo bom desempenho do sistema.
Para o diretor do sindicato dos agentes penitenciários e da federação nacional da categoria, Wilker de Freitas, outra vantagem é o fato de o Estado não ter facções criminosas agindo intensamente nos presídios. “Existem membros de diferentes facções, mas eles não exercem força dominante, não são atuantes”.
Para ele, no entanto, a situação nas cadeias já esteve mais tranquila. “Nos últimos três anos, sentimos o aumento da superlotação e a falta de inspetores concursados. Temos uma boa estrutura que não podemos perder.”
O Estado ainda luta para reduzir a taxa de homicídio, que nos últimos anos esteve acima da média nacional.
É tímida e desarticulada a atuação federal nos históricos problemas do sistema prisional brasileiro, cujo cotidiano está centralizado nas unidades federativas, tanto do ponto de vista do processo penal como da administração penitenciária.
Enquanto as facções criminosas eram problemas locais, o papel coadjuvante da União não chamava a atenção, e cada Estado que cuidasse do próprio quintal.
A partir do momento em que a atuação de grupos criminosos como PCC (Primeiro Comando da Capital) e Comando Vermelho avançou em escala nacional, tanto dentro quanto fora dos presídios, a resposta do Estado precisa subir na esfera de poder e se articular entre o Executivo e o Judiciário.
O anúncio de medidas requentadas por parte do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, e da formação de um grupo de trabalho pela ministra Cármen Lúcia, hoje à frente do Conselho Nacional de Justiça, dá ideia de como a União está desacostumada ao papel de protagonista nessa área.
Especialistas das mais variadas vertentes convergem na avaliação de que a construção de penitenciárias não é solução única para o problema e, ainda assim, tem efeitos a médio prazo. EMERGÊNCIA Eles também são unânimes ao dizer que, como medida de emergência, é preciso retirar das prisões pessoas que não precisariam ser mantidas em ambientes controlados por facções criminosas.
O Conselho Nacional de Justiça tem realizado desde 2008 uma série de mutirões carcerários, por meio dos quais 45 mil pessoas foram postas em liberdade porque já haviam cumprido a pena à qual haviam sido condenadas, mas ainda eram mantidas no cárcere.
O Brasil tem média de 40% de presos provisórios, ou seja, que ainda não foram julgados. Pesquisas mostram que, quando julgados, metade desses presos será considerada inocente. Basta uma conta de padaria para perceber que cerca de 20% dos presos atuais do país são inocentes vivendo no inferno.
Como disse em entrevista à Folha, de forma direta, Fiona Macaulay, especialista britânica em sistema prisional e Justiça criminal e professora do principal centro mundial em estudos de paz: “Tirem essas pessoas de lá!”.