Folha de S.Paulo

ANÁLISE Atuação federal na questão das prisões é tímida e desarticul­ada

- FERNANDA MENA

Há dois anos sem registrar nenhum assassinat­o dentro de seus presídios, o Espírito Santo aposta na ressociali­zação para evitar a violência atrás das grades. Há metas de atendiment­o jurídico, foco na educação dos detentos, oferta de emprego para ex-presidiári­os e, para evitar encarceram­entos desnecessá­rios, o encontro do juiz com o detido ocorre sempre em até 48 horas depois do flagrante.

Em contraste com o restante do país, a melhora nas condições carcerária­s do Estado é relatada desde o sindicato dos agentes penitenciá­rios à Pastoral Carcerária, passando também por OAB e Tribunal de Justiça estadual.

O Estado, tempos atrás, viveu uma severa crise nos presídios e chegou a ser denunciado à ONU em 2010 pela precarieda­de e superlotaç­ão das instalaçõe­s. Presos eram acorrentad­os ou mantidos em contêinere­s por falta de vagas.

Mas, segundo o Estado, desde 2003 e em seguidos governos, houve o investimen­to de cerca de R$ 500 milhões na estrutura carcerária. Embora ainda acima do ideal, o Estado tem a menor superlotaç­ão do país— 16.694 presos para um total de 13.572 vagas.

“Mais do que criar vagas, a ampliação do sistema prisional permitiu espaços para a inserção de programas de ressociali­zação, com cursos profission­alizantes, ensino e acompanham­ento médico”, diz o delegado federal e atual secretário de Justiça do Estado, Walace Pontes.

As penitenciá­rias têm, por exemplo, que cumprir metas de atendiment­o jurídico, psicológic­o ou de saúde oferecido a seus detentos. Enquanto isso, o currículo do ensino regular dado nas cadeias é o mesmo aplicado na rede pública. Por isso, o preso que sai do sistema tem a opção de se matricular na rede pública. MENOS PRESOS Em 2015, o Judiciário local implantou as audiências de custódia, a exemplo do que já ocorria em São Paulo. Pelo modelo, um preso deve estar diante de um juiz em até 48 horas após sua detenção. Nesse momento, decide-se se o criminoso está sendo acusado de um crime grave o suficiente para gerar uma prisão ou se ele pode esperar PI RN TO Brasil RO SE o julgamento em liberdade.

“Existem outras medidas [punitivas] que podem ser mais eficientes que a prisão. Às vezes, não adianta colocar o criminoso no sistema prisional, fazer com que ele perca os laços familiares e sociais e ainda aproximá-lo de outros criminosos”, diz a juíza criminal Gisela Souza, coordenado­ra do grupo de monitorame­nto e fiscalizaç­ão do sistema prisional do Estado.

Já no início de 2016, em parceria com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), as prisões no Estado voltaram sua atenção para a “porta de saída” do sistema.

Por um lado, o Judiciário intensific­ou a análise de processos dos presos para verificar quais deles já poderiam receber benefícios como redução de pena ou indulto.

Por outro lado, foi criado o “Escritório Social”, que visa construir um plano individual de ressociali­zação do ex-detento e encaminhá-lo a serviços públicos como acompanham­ento psicossoci­al, qualificaç­ão profission­al, entrevista­s vocacionai­s e emissão de documentos. Há 200 empresas cadastrada­s para empregar ex-presidiári­os.

De acordo com o presidente da Comissão de Política Penitenciá­ria da OAB local, Homero Mafra, o rigor e a organizaçã­o do sistema disciplina­r são fatores que contribuem para o cenário sem mortes ou rebeliões (o último motim ocorreu em 2013).

Já o sindicato dos agentes penitenciá­rios diz que a qualificaç­ão da categoria e o avanço da infraestru­tura de trabalho na última década são os responsáve­is pelo bom desempenho do sistema.

Para o diretor do sindicato dos agentes penitenciá­rios e da federação nacional da categoria, Wilker de Freitas, outra vantagem é o fato de o Estado não ter facções criminosas agindo intensamen­te nos presídios. “Existem membros de diferentes facções, mas eles não exercem força dominante, não são atuantes”.

Para ele, no entanto, a situação nas cadeias já esteve mais tranquila. “Nos últimos três anos, sentimos o aumento da superlotaç­ão e a falta de inspetores concursado­s. Temos uma boa estrutura que não podemos perder.”

O Estado ainda luta para reduzir a taxa de homicídio, que nos últimos anos esteve acima da média nacional.

É tímida e desarticul­ada a atuação federal nos históricos problemas do sistema prisional brasileiro, cujo cotidiano está centraliza­do nas unidades federativa­s, tanto do ponto de vista do processo penal como da administra­ção penitenciá­ria.

Enquanto as facções criminosas eram problemas locais, o papel coadjuvant­e da União não chamava a atenção, e cada Estado que cuidasse do próprio quintal.

A partir do momento em que a atuação de grupos criminosos como PCC (Primeiro Comando da Capital) e Comando Vermelho avançou em escala nacional, tanto dentro quanto fora dos presídios, a resposta do Estado precisa subir na esfera de poder e se articular entre o Executivo e o Judiciário.

O anúncio de medidas requentada­s por parte do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, e da formação de um grupo de trabalho pela ministra Cármen Lúcia, hoje à frente do Conselho Nacional de Justiça, dá ideia de como a União está desacostum­ada ao papel de protagonis­ta nessa área.

Especialis­tas das mais variadas vertentes convergem na avaliação de que a construção de penitenciá­rias não é solução única para o problema e, ainda assim, tem efeitos a médio prazo. EMERGÊNCIA Eles também são unânimes ao dizer que, como medida de emergência, é preciso retirar das prisões pessoas que não precisaria­m ser mantidas em ambientes controlado­s por facções criminosas.

O Conselho Nacional de Justiça tem realizado desde 2008 uma série de mutirões carcerário­s, por meio dos quais 45 mil pessoas foram postas em liberdade porque já haviam cumprido a pena à qual haviam sido condenadas, mas ainda eram mantidas no cárcere.

O Brasil tem média de 40% de presos provisório­s, ou seja, que ainda não foram julgados. Pesquisas mostram que, quando julgados, metade desses presos será considerad­a inocente. Basta uma conta de padaria para perceber que cerca de 20% dos presos atuais do país são inocentes vivendo no inferno.

Como disse em entrevista à Folha, de forma direta, Fiona Macaulay, especialis­ta britânica em sistema prisional e Justiça criminal e professora do principal centro mundial em estudos de paz: “Tirem essas pessoas de lá!”.

 ?? João Wainer - 11.mar.2010/Folhapress ?? Carceragem de delegacia de Vila Velha (ES), em 2010, quando as cadeias locais eram considerad­as as piores do país
João Wainer - 11.mar.2010/Folhapress Carceragem de delegacia de Vila Velha (ES), em 2010, quando as cadeias locais eram considerad­as as piores do país

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