Autor faz desconforto de ‘pílulas de sabedoria’
Com textos de até 80 caracteres, João Anzanelo Carrascoza se aventura no campo da microficção em ‘Linha Única’
FOLHA
Nos últimos trabalhos, João Anzanello Carrascoza se afastou das formas breves e entrou no território do romance. Sabendo da elasticidade do gênero, realizou um trabalho inquieto e o resultado foram os livros “Aos 7 e aos 40” e “Caderno de um Ausente” em que ele verticaliza sua já intensa experiência em torno dos afetos.
Agora, ao voltar às narrativas curtas, Carrascoza o faz com igual inquietude. Porém —mais do que propriamente um regresso ao conto— o autor se aventura no campo movediço da chamada microficção.
“Linha Única” é um título descritivo, os textos não ultrapassam os 80 caracteres. Se, por um lado, as referências dessa brevidade podem ser o haicai, o poema-minuto ou mesmo alguns contos de Dalton Trevisan; por outro, é impossível ignorar a experiência de escrita pós-Twitter.
Assim, comparece ao livro o caráter veloz e elíptico de um estilo, como se dizia antigamente, telegráfico, caro a certo Oswald de Andrade. Mas —numa época em que textos são compartilhados sem serem lidos— não seria estranho se tal formato também possibilitasse pílulas de sabedoria descartável, facilmente viralizadas na internet.
Ao jogar com o pendor motivacional que esse tipo de escrita pode suscitar, Carrascoza transforma-o, enviando mensagens pouco confortantes. É o caso de “Certeza”, microtexto em que se lê apenas: “Viver dói até o fim”.
Por falar em dor, no livro, as feridas familiares estão concentradas. Por exemplo, o microconto “Enterro do Pai” (em que lemos: “O dia mais seco dos seus olhos”) antecipa a narrativa chamada “Filho”: “Quando viu, ti- que é se o autor não se aproximasse das linguagens da poesia visual e da publicidade. É assim que grande parte de suas microficções faz uso massivo do branco da página e da espacialização dos caracteres.
Quando desenhada, a “linha única” de Carrascoza muitas vezes almeja dizer graficamente o que diz textualmente. Em outros momentos, porém, cria uma tensão mais fértil em que o verbal se atrita com o visual. Isso acontece, por exemplo, no texto que encerra o livro. Ele se chama “Pobreza” e diz o seguinte: “A vida inteira numa única / linha”. LEONARDO GANDOLFI