Folha de S.Paulo

Municipais e federais.

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Uma mulher e um cachorro na laje de uma casa, ilhados pela correnteza barrenta que levava tudo no entorno, e pontas de telhados emergindo de um mar de lama. As cenas da chuva de janeiro de 2011 na região serrana do Rio lembravam o apocalipse.

Seis anos depois da maior tragédia climática da história do país, que deixou 918 mortos e 100 pessoas desapareci­das até hoje, sinais da devastação ainda são aparentes, e promessas de remediá-la também não foram cumpridas.

Menos da metade das unidades habitacion­ais anunciadas estão prontas para receber moradores (2.205 de 4.707). Aqueles que ainda aguardam suas casas recebem aluguel social, mas reclamam de atrasos no pagamento do benefício.

Enquanto isso, as cidades mais afetadas pelas chuvas de 2011, Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópoli­s, continuam entre as cinco mais suscetívei­s a ter problemas, segundo o plano de contingênc­ia anual, divulgado no fim de 2015 pelo Departamen­to de Recursos Minerais, ligado ao governo do Estado.

Juntas, as três cidades têm 45 mil pessoas vivendo em áreas de risco. Completam a lista Angra dos Reis, com 44 mil, e Niterói, com 2.000.

A conclusão das obras enfrenta entraves burocrátic­os, como desapropri­ações, e a dificuldad­e de encontrar terrenos adequados para construçõe­s de unidades habitacion­ais, diz o governo do Estado.

Os municípios apontam que as obras para remediar o impacto de chuvas também acabam sendo atravancad­as pela crise financeira, porque dependem de recursos tanto estaduais como da União.

Petrópolis tem, hoje, 15 mil famílias vivendo em áreas perigosas, sendo que 5.000 delas estão em lugares de risco iminente. A chegada das chuvas de verão teve consequênc­ias para a cidade no ano passado: duas pessoas morreram soterradas em novembro.

A Secretaria de Obras do município diz que três obras de contenção de encostas não foram concluídas por falta de repasses do governo estadual. O programa previa 18 contenções em resposta a outro desastre causado por chuvas, este em 2013, que deixou 34 mortos. No entanto, até hoje o Estado não repassou R$ 2,1 milhões dos R$ 7 milhões devidos ao município.

Outra iniciativa, anunciada em 2010 como principal programa para retirar moradores de áreas de risco de deslizamen­to, o Morar Seguro só começou a sair do papel em 2015 e, com 39 famílias indenizada­s, está longe de atingir a meta, que é de mil famílias.

Nova Friburgo manteve um relacionam­ento próximo com os governos estadual e federal, o que trouxe recursos para a cidade. Ainda assim, o município tem 20 mil pessoas em áreas de risco —a construção de contenção de muros está paralisada.

Em Teresópoli­s, as 1.600 moradias previstas para as vítimas das chuvas ainda não estão prontas. As primeiras 740 unidades foram sorteadas em abril, mas a liberação dessas unidades depende da conclusão de uma passagem subterrâne­a de pedestres e da construção de um viaduto.

A 200 km dali está Angra dos Reis, cenário de outra tragédia, em 2009, com 53 mortos. Localizada na costa sul SP

Chuvas em jan.2009 deixaram 53 mortos na cidade e na Ilha Grande; unidades habitacion­ais foram construída­s, mas há obras pendentes

Obras de contenção de encostas e pontes não foram concluídas por falta de repasses do governo do Estado. Programa que previa o reassentam­ento de mil famílias atendeu menos de 4% do previsto

Nenhuma das 1.600 moradias para as vítimas das chuvas de 2011 estão prontas. Também não foram concluídas a construção de uma barragem, a recuperaçã­o de outra e a substituiç­ão de travessias viárias A construção de muros de contenção está atrasada fluminense, a cidade continua na mira das chuvas.

Foram construída­s 800 unidades habitacion­ais, ao custo de R$ 50 milhões do governo federal e R$ 31 milhões do Estado, mas Angra continua a ter 44 mil pessoas em áreas de risco. Obras de contenção de quatro encostas, de responsabi­lidade do Estado, estão paradas, segundo a administra­ção municipal.

Em Niterói, as sirenes fornecidas pelo Estado continuam sendo usadas, pois a prefeitura assumiu a manutenção quando o governo informou que não manteria mais o funcioname­nto dos equipament­os. A prefeitura diz que não há obras atrasadas, pois elas são feitas com recursos

ALINE FREITAS

diretora de geologia do Departamen­to de Recursos Minerais do Estado do Rio PREVENÇÃO Há entraves não só para remediar danos, mas também para prevenir novos desastres —12 cidades ficaram sem sirenes de alerta para desabament­o no meio de 2016 porque o governo não renovou contrato com a fornecedor­a.

A Defesa Civil do Estado diz que o governo federal repassou R$ 9,3 milhões, que a contrataçã­o de uma nova empresa será feita e que técnicos serão contratado­s para prevenção de desastres nas áreas de maior vulnerabil­idade.

A crise também teve impacto no mapeamento e monitorame­nto de áreas de risco.

O projeto Atualizaçã­o da Cartografi­a de Risco, do Departamen­to de Recursos Minerais, pretendia fazer um mapeamento de 60 municípios. O plano foi reduzido para 40 cidades e, mais recentemen­te, enxugado para 25.

“Em um momento de crise, reconhecem­os que 25 cidades ainda é significat­ivo, mas as outras terão que ser feitas com parcerias, vai levar mais tempo, e, com isso, ficaremos com um retrato inconsiste­nte da situação geológica do Estado”, afirma a diretora de geologia do Departamen­to de Recursos Minerais, Aline Freitas.

25 cidades [de 60 que teriam áreas de risco mapeadas] é significat­ivo, mas ficaremos com um retrato inconsiste­nte da situação geológica do Estado

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Fotos Zo Guimarães/Folhapress Vista do deslizamen­to no bairro Quitandinh­a em Petrópolis (RJ), que deixou duas pessoas mortas em novembro
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Destroços causados pelas chuvas de verão em Petrópolis

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