Folha de S.Paulo

Confratern­izando com os réus

-

BRASÍLIA - Imagine um tribunal em que os réus tenham o poder de escolher quem vai julgá-los. É o que acontece neste momento com o Supremo Tribunal Federal, responsáve­l pelos processos contra parlamenta­res acusados de corrupção.

Citado 43 vezes na delação de um lobista da Odebrecht, o presidente Michel Temer indicou seu ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, para a vaga aberta na corte. Agora a nomeação precisa ser confirmada pelo Senado, que reúne mais de uma dezena de investigad­os na Lava Jato.

Apesar de o governo ter ampla maioria da Casa, Moraes não tem poupado esforços para ser aprovado. Desde que foi anunciado, ele se dedica em tempo integral a cortejar senadores e pedir votos, como um candidato em campanha eleitoral.

O beija-mão tem exposto o futuro ministro a cenas constrange­doras. Na semana passada, ele participou de um animado jantar na chalana Champanhe, ancorada no lago Paranoá. O barco pertence a um suplen- te goiano e é conhecido como “love boat”. Nas noites de Brasília, costuma receber políticos e belas mulheres em festas sem hora para terminar.

Nesta terça (14), Moraes fez nova romaria pelo Senado. Numa das paradas, posou sorridente ao lado de Fernando Collor, acusado de receber R$ 29 milhões no petrolão. O ministro tem dado atenção especial aos integrante­s da Comissão de Constituiç­ão e Justiça, que reúne dez suspeitos de envolvimen­to no esquema.

A Constituiç­ão estabelece que os ministros do Supremo são escolhidos pelo presidente e referendad­os pelo Senado. A regra é antiga, e Moraes não pode ser responsabi­lizado pela ficha corrida dos parlamenta­res.

No entanto, as circunstân­cias deveriam impor uma atitude mais sóbria de quem pretende vestir a toga de ministro do Supremo. Não pega bem que o futuro juiz confratern­ize tão abertament­e com os políticos que terá que julgar. Moraes deveria ser mais comedido, nem que seja só para manter as aparências.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil