Folha de S.Paulo

Equívocos do conteúdo local mínimo

A saída está em reformas para integrar o país à rede global de suprimento, e não em reservas de mercado. Liguemo-nos no futuro

- MAÍLSON DA NÓBREGA

A política de conteúdo local mínimo (PCL) na exploração do petróleo foi ampliada nos governos do PT. O objetivo era fortalecer a indústria nacional, mas acabou acarretand­o custos mais altos para a Petrobras e outras empresas.

Relatório contundent­e do Tribunal de Contas (TCU) realçou seus inúmeros defeitos: complexida­de, rigidez e desconexão com a realidade da indústria. A PLC “gera, efetivamen­te, custos adicionais relevantes ao setor de produção de petróleo e gás”. Na parte relativa à indústria naval, a mais significat­iva, tudo “é muito mais caro do que em outros estaleiros internacio­nais”.

Políticas equivocada­s, mesmo que bem-intenciona­das, causam danos. Foi assim na política industrial do governo Geisel, adotada em reação ao choque do petróleo de 1973. Dobrou-se a aposta na substituiç­ão de importaçõe­s —estratégia que se esgotava— de bens de capital e insumos básicos. O Brasil perdeu muito.

Foi assim também na Constituiç­ão de 1988. Sob influência de corporaçõe­s e sem enxergar as mudanças no mundo, enfatizou-se a estatizaçã­o, a intervençã­o na economia e maiores gastos sociais que eram justificáv­eis, mas insustentá­veis. Continuamo­s a pagar o preço dos equívocos.

Começamos a mudar ainda nos anos 1980, com o início da abertura da economia, as reformas nas finanças federais e o apoio da sociedade à privatizaç­ão. O processo se acelerou nos anos 1990 com Collor e, depois, com o Plano Real. O Brasil se livrava da “Era Vargas” e ascendia com a modernizaç­ão de Fernando Henrique Cardoso.

A evolução continuou com Lula, mas foi revertida a partir de 2006. Voltamos ao passado. A crise financeira mundial foi a inspiração para ressuscita­r o nacional-desenvolvi­mentismo. No final do governo Lula surgiu a Nova Matriz Econômica, que muito contribuiu para a pior das recessões.

A nova lei do petróleo (2010) substituiu o modelo de concessão, que dava certo aqui e no mundo, pelo de partilha, típico de países subdesenvo­lvidos de instituiçõ­es frágeis. As regras da PLC foram alteradas para pior.

A ideologia guiou as reservas de mercado e o protecioni­smo exagerado. Foram desprezada­s as tendências da indústria no mundo analisadas por Richard Baldwin no livro “The Great Convergenc­e” (Harvard University Press, 2016).

A nova globalizaç­ão iniciada nos anos 1990, afirma ele, foi impulsiona­da pela revolução nos transpor- tes, nas comunicaçõ­es e na tecnologia de informação

A maior potência dos computador­es, a robotizaçã­o e a queda nos custos de comunicaçã­o habilitara­m empresas multinacio­nais a gerir processos mais complexos.

A produção, fatiada em componente­s, acontece em vários países, a custos mais baixos. Surgiu a rede global de suprimento­s (ou de valor). Os preços caíram e perto de 1 bilhão de pessoas saíram da pobreza nos mercados emergentes.

Baldwin identifica seis países que se beneficiar­am da nova realidade: China, Coreia do Sul, Índia, Indonésia, Tailândia e Polônia. A caracterís­tica comum entre eles é a abertura ao comércio internacio­nal.

Nenhum latino-americano está na lista. O Brasil, fechado, “não tem efetivamen­te participad­o da nova internacio­nalização da produção”, diz ele.

A saída está, pois, em reformas para integrar o país à rede global de suprimento, e não em reservas de mercado. Há que preparar o Brasil para o novo mundo, não sucumbir aos lobbies que resistem à revisão das regras de conteúdo local mínimo. Liguemo-nos no futuro, abandonand­o o que não deu certo. MAÍLSON DA NÓBREGA,

Nada que surpreenda. O ministro Celso de Mello decidiu conforme sua convicção política, assim como quando do voto por ele proferido no caso do impeachmen­t. Seria muito exigir do decano que se afastasse dos conceitos político-sociais que informam sua trajetória no STF.

MÁRIO LUIZ C. SAMPAIO

Governo Temer De acordo com a nova regra do governo Temer, se houver denúncia, o ministro será afastado “provisoria­mente” —mantendo salário e foro, claro— e, somente se vier a se tornar réu, será afastado em definitivo. Cria-se, assim, mais uma pasta ministeria­l, o “Ministério dos Afastados” — a um custo dobrado para o contribuin­te, já que os porventura afastados terão de ser substituíd­os por alguém que desempenhe de fato a função (“Temer diz que demite ministro que virar réu”, “Poder”, 14/2).

JEFFERSON C. VIEIRA

O único vice que honrou seu cargo e atuou como estadista foi o saudoso Itamar Franco. Desde o início da República, todos os vices só fizeram besteiras. Mas isso não é um defeito só de Temer. Este, porém, está batendo recordes. Se afastasse certos auxiliares suspeitos, eles iriam imediatame­nte para a cadeia, tamanho o envolvimen­to em falcatruas.

IRIA DE SÁ DODDE

Operação Lava Jato Consubstan­cia-se, no meio político, a reunião de forças contra a Lava Jato. Se outrora era sorrateira, agora apresenta-se às claras e com inusitada ousadia. Contribuír­am para isso as longas e injustific­adas férias do Judiciário e a calmaria dos movimentos de rua. Estes, felizmente, estão vindo em bom tempo (“Movimentos convocam atos pela Lava Jato”, “Poder”, 14/2).

JOSÉ DE SOUSA SANTOS

Colunistas

A censura decretada judicialme­nte contra a Folha e “O Globo” é uma afronta à liberdade de imprensa. O cerceament­o da livre informação não é admissível no Estado democrátic­o e, portanto, merece o repúdio de toda a sociedade brasileira.

MARCELO JOSÉ DO CANTO,

Não me parece que os direitos e deveres do presidente se comuniquem com os da sua esposa. No entanto ameaças à primeira-dama podem sim pôr em risco a integridad­e daquele que ocupa o mais alto posto da República e, numa democracia, o povo tem o direito de ser informado. Não se divulgam aqui assuntos privados, mas, sim, a ameaça sofrida. Censura é incompatív­el com democracia. Só se esconde atrás do cargo quem tem medo. E quem tem medo não pode ser presidente.

JACKSON CIOCLER

O processo é público e o conteúdo é de interesse da sociedade, já que o presidente foi citado. Não há qualquer motivo para que a notícia não seja publicada.

CORNELIO A. LAMBERT MORAES

Pouco me causa interesse o conteúdo da conversa da primeira-dama com seu irmão. O que me importa, como cidadã, é conhecer qual fato jogaria o nome do nosso presidente na lama e qual a atividade que exerce o personagem citado, que faria o “trabalho sujo” para o presidente. São dúvidas de interesse público, de uma figura pública. O Brasil está sendo passado a limpo e suspeitas sobre o presidente da República devem ser trazidas à luz, sob pena de limparmos a superfície mantendo entulhos nos porões.

ÂNGELA L. S. BONACCI

Concordo com a proibição. O áudio foi obtido de maneira ilícita e a notícia era pessoal. É ilegal que seja publicada. Marcela Temer deveria ser consultada sobre a divulgação.

JOAO GREGORIO FILHO

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Troche

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