Folha de S.Paulo

ANÁLISE Guerra interna desafia Trump no primeiro mês de governo

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DE SÃO PAULO

A queda do conselheir­o de Segurança Nacional Michael Flynn mostra que há uma guerra instalada nos bastidores do governo de Donald Trump, que não completou um mês de vida ainda.

A saída do general também levanta uma série de dúvidas sobre o real curso dessa disputa, que teve outro lance no vazamento do suposto rompimento de um acordo de armas por parte da Rússia.

Flynn era conhecido pela precisão analítica, sendo um dos primeiros a apontar a ascensão do Estado Islâmico. Tinha paranoias, como achar que existe uma aliança organizada contra os EUA e que o islã como um todo é a ponta de lança dessa agressão.

Defendia uma aliança com Moscou para atacar o problema do Estado Islâmico, assim como seu chefe. Isso era mais realismo do que namoro ideológico: conhecedor do campo de batalha no Oriente Médio, onde serviu, sabia que não há como os EUA se engajarem em várias guerras ao mesmo tempo.

Pragmático, sabia que as sanções contra a Rússia devido à guerra na Ucrânia teriam de estar na mesa de barganhas. Isso lhe colocou em oposição, no meio do turbilhão de medidas e contramedi­das anunciadas por Trump nessas primeiras semanas no cargo, à abordagem mais convencion­al proposta pelos secretário­s James Mattis (Defesa) e Rex Tillerson (Estado).

Ambos defenderam publicamen­te a manutenção das sanções, talvez por cálculo: é melhor guardar a carta até a hora certa de ser jogada.

Flynn, pego conversand­o com o embaixador russo sobre o tema antes de assumir, teria avançado o sinal.

Nas intrigas políticas de Washington, que fazem as de Brasília parecer filme de bangue-bangue, o deslize foi ideal para consolidar o poder de Mattis e Tillerson —este sempre apontado como um dos integrante­s mais pró-Kremlin da administra­ção.

Não faz muito sentido, por exemplo, achar que Flynn, um ex-chefe da inteligênc­ia militar americana, estaria vulnerável a chantagens de Moscou devido a telefonema­s que ele sabia que seriam grampeados ou por ter participad­o de um jantar a convite da emissora de TV bancada pelo Kremlin.

Em outras palavras, sua queda pode ser um expediente para tentar conter a escalada da crise —ou do conhecimen­to da extensão dos planos russos de Trump. A suspeita de que mentiu sobre o tema ao FBI só adensa as nuvens sobre o caso.

O papel de Stephen Bannon, o apocalípti­co estrategis­ta da Casa Branca e teoricamen­te simpático à aproximaçã­o com a Rússia, ainda está por ser definido.

Já o vazamento anônimo da suposta existência de batalhões de mísseis de cruzeiro proibidos parece jogar em favor da confusão reinante, obrigando Trump a posicionar-se justamente em relação a um movimento negado pelo Kremlin.(IG)

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