Folha de S.Paulo

Pássaros voando, melhor que mortos

- VINICIUS TORRES FREIRE

O CONSUMO DE VAREJO caiu mais de 10% em dois anos. Apenas em 2016, baixa de mais de 6%. Nos sete anos de bonança, aliás, exagerada de 2007 e 2013, as vendas cresciam a quase 8% por ano.

A previsão é que as vendas do varejo não cresçam nem caiam neste ano. É a estimativa de economista­s de bancos maiores que publicam previsões sobre o assunto e da própria Confederaç­ão Nacional do Comércio, que prevê “estabilida­de nas vendas”.

Previsões econômicas são um gênero tedioso de ficção científica, escreveu certa vez Paul Krugman, Nobel de Economia. Mas é a história que podemos contar, com os dados disponívei­s. Haveria novidades no enredo?

De positivo e ainda mal estimado temos:

Primeiro: um dinheirinh­o extra para gastar, os recursos que devem ser sacados das contas inativas do FGTS. Pode ser um extra de R$ 30 bilhões. Equivale a 1,4% do total da “massa de rendimento­s” do trabalho (total de “salários”) pagos em 2016.

Pouco? Não exatamente. Estimase que o total dos salários cresça apenas 1% neste ano.

Segundo: inflação em baixa mais acelerada do que se esperava.

O grosso da baixa da inflação ocorreu do início de 2016 para cá. O IPCA passou do ritmo anual de 10% para o de 5%. Não vai baixar de novo pela metade, decerto. Mas a inflação abaixo de 4,5% no fim deste ano vai comer menos dos reajustes salariais, que andavam pela média de 7,5% em dezembro.

Há uma massa de rendimento­s que foi quase inteira reajustada pela inflação passada e que não vai ser tão carcomida pela carestia deste ano: benefícios sociais como aposentado­rias e assistênci­a social. Os benefícios sociais federais equivalem a e um terço da massa de salários.

O advogado do diabo da recessão dirá, com razão, que o varejo não depende apenas das variações de rendimento. As vendas têm caído muito mais que a massa salarial, em particular depois do início de 2015.

Houve então também um colapso de crédito e de confiança, um tanto súbito, além de choques violentos na renda real (aumento de inflação, como no caso do aumento do preço da eletricida­de).

O crédito deve ficar no zero a zero neste ano, segundo os maiores bancos. Mas a taxa de juros começou a cair de modo consideráv­el.

O leitor, que é perspicaz, deve ter notado que o colunista procurar tirar algum leite da pedra desta nossa desgraça recessiva. Há novidades, mas são miudinhas. Mas é melhor um pássaro voando do que todos mortos.

Afora a nebulosa confiança de empresário­s e consumidor­es, não havia no ano passado nenhum motivo concreto de esperança. Esperança muito pobre, de qualquer modo, a de que a renda per capita do país não caia de novo neste 2017.

É o temos, por enquanto.

Consumo cai mais de 10% em dois anos; previsão dequefique­nozeroem 2017 pode ser pessimista

CENSURA O espírito de porco autoritári­o de certa gente se alegra com a censura das reportagen­s sobre o processo de extorsão contra Marcela Temer. É deprimente e constrange­dor ter de dizer o óbvio: não foi apenas um ataque aos jornais, Folha e “Globo”, ao jornalismo, à Constituiç­ão, mas a uma liberdade dificultos­amente instituída pela primeira vez faz 250 anos, parte de um troço chamado direitos humanos. É muito selvagem fazer troça disso.

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