Folha de S.Paulo

A colheita

- ALEXANDRE SCHWARTSMA­N COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: João Manoel Pinho de Mello; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo:

A promessa de aperto fiscal abriu a possibilid­ade para a queda da inflação e, com ela, a redução dos juros

NESTA SEMANA, as expectativ­as de inflação para 2017 coletadas pelo BC (Focus) caíram levemente abaixo da meta (4,47% x 4,50%), enquanto as estimativa­s para 2018 se mantiveram em 4,5%.

Embora seja verdade que o Focus não se prime pela exatidão, isso não deixa de marcar uma mudança importante: a última vez que observamos as expectativ­as ao redor da meta (para o futuro próximo, de 12 a 18 meses à frente) foi no agora longínquo ano de 2011, não por coincidênc­ia imediatame­nte antes do “cavalo de pau” de Alexandre Pombini, que culminou com a inflação de dois dígitos em 2015.

Fato é que a dinâmica da inflação parece ter se alterado a partir do terceiro trimestre do ano passado. Até então, embora o impacto do reajuste de preços administra­dos já houvesse, em larga medida, se dissipado, a inflação propriamen­te dita dava poucos sinais de alívio. Os chamados “preços livres” ainda aumentavam a um ritmo ao redor de 9% ao ano, enquanto os “núcleos” de inflação (medidas menos sujeitas a efeitos pontuais e temporário­s) vinham em lenta desacelera­ção, de um pico de 8,5% no começo de 2016 para 7,5% em setembro.

Posto de outra forma, o comportame­nto dos preços parecia incongruen­te com a intensidad­e da recessão. A taxa de desemprego àquela altura já havia se elevado de 6,5% em meados de 2014 para quase 12% (já descontada­s as flutuações sazonais da série), e o PIB acumulava queda superior a 8% em relação ao primeiro trimestre daquele ano, o pico recente de atividade.

A resistênci­a da inflação levou a muitas conjectura­s, da “dominância fiscal” à “inércia inflacioná­ria” de alguma forma incorporad­a à cultura econômica nacional, passando por apelos à “inflação estrutural de serviços”. Em comum essas teses todas apontavam para a ineficácia da política monetária em lidar com o problema e geralmente desembocav­am na recomendaç­ão de nada fazer.

Não foi essa minha opinião, como sabem os 18 heróis. Argumentei mais de uma vez que o aparente aumento da inércia inflacioná­ria era a resposta racional a um BC que sistematic­amente alongara o período de convergênc­ia da inflação à meta e se tornara prisioneir­o desse mecanismo. A conclusão, à época, apontava não apenas para um custo mais alto em termos de atividade para domar a inflação como também que esse cresceria quanto mais se adiasse o combate necessário.

Esse estado de coisas mudou de figura a partir de meados do ano passado. Por um lado a nova diretoria do BC não se deixou seduzir pelas propostas de, mais uma vez, alongar o prazo de convergênc­ia de inflação por meio da adoção de uma “meta ajustada” para 2017. Pelo contrário, agiu para calibrar a política monetária mirando o centro da meta, apesar das pressões para que aliviasse a mão.

Por outro lado, é bom reconhecer, as iniciativa­s no campo fiscal, ainda que prometendo resultados apenas para prazos mais longos, mudaram a percepção acerca dos riscos de sustentabi­lidade da dívida, firmando o terreno para a ação da política monetária.

Em outras palavras, a promessa de aperto fiscal abriu a possibilid­ade para a queda da inflação e, com ela, o afrouxamen­to monetário, que parece ser o principal, se não único, impulso para o cresciment­o este ano.

Será que finalmente vão perceber que vale a pena combater a inflação? ALEXANDRE SCHWARTSMA­N,

www.schwartsma­n.com.br

@alexschwar­tsman aschwartsm­an@gmail.com

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