Folha de S.Paulo

Doria recria Leve Leite com enfoque nos mais pobres e sem adolescent­es

Programa entregará produto a alunos de até 6 anos e será estendido a crianças fora da rede municipal

- PAULO SALDAÑA

Opinião de pediatras e redução de custo motivaram decisão; beneficiad­os passam de 916 mil para 432 mil DE SÃO PAULO

A gestão João Doria (PSDB) vai reformular, a partir de março, o programa de entrega de leite para estudantes da rede municipal de São Paulo. Alunos a partir de 7 anos deixarão de receber o produto e, entre as crianças de até 6 anos, só as mais pobres terão direito ao benefício.

Por outro lado, a prefeitura vai estender o benefício para crianças pobres que hoje nem sequer estão em escolas municipais. São famílias registrada­s, ou não, na fila por vaga em escolas da capital.

O programa Leve Leite beneficia hoje todos os alunos da rede, de 0 a 14 anos. Receberam o benefício no ano passado 916,2 mil estudantes.

Com a mudança, o leite será entregue a 223,2 mil alunos de até 6 anos de idade. Outras 208,4 mil crianças não matriculad­as na rede, mas em situação de pobreza, serão integradas em até quatro meses.

No total, 431,7 mil crianças receberão o leite neste ano. Em relação ao total de atendidos, a redução é de 53%.

Conforme a Folha revelou em janeiro, a principal motivação para a mudança é de ordem orçamentár­ia. As dificuldad­es financeira­s foram agravadas pelo congelamen­to da tarifa de ônibus, o que ampliará os repasses às viações a mais de R$ 3 bilhões.

Há também a avaliação, compartilh­ada por diferentes especialis­tas, de que um programa universal de entrega de leite não faz sentido por não haver estudos de impactos nutriciona­is e de desempenho escolar. A gestão ressalta que a cidade tem 0,01% de crianças desnutrida­s.

Falhas no programa, que impedem, por exemplo, que famílias recusem o benefício —além de registros de venda do leite na internet— colaborara­m para essa decisão. MUDANÇA Esta é a maior alteração já feita no Leve Leite desde 1995, ano em que o programa foi criado na gestão Paulo Maluf. Com falta de dinheiro, Doria pretende rever gastos da Secretaria de Educação que não estejam ligados diretament­e ao ensino na sala de aula.

Com a revisão desse programa, a prefeitura espera gastar R$ 150 milhões no ano. O valor é 55% menor do que os R$ 330 milhões previstos, caso o programa continuass­e com o mesmo desenho. Os gastos no ano passado foram de R$ 310 milhões.

A identifica­ção da crianças será feita pelo Cadastro Único, base que reúne famílias de baixa renda para acesso a programas sociais. Estarão aptas famílias com rendimento mensal de até R$ 2.811.

A quantidade de leite também será alterada. Crianças matriculad­as na rede com o perfil exigido receberão 1 kg de leite em pó por mês —e não mais 2 kg. Beneficiár­ios de fora da rede, a serem incluídos no programa, receberão 2 kg.

De acordo com o secretário municipal de Educação, Alexandre Schneider, essas crianças são, na maioria das vezes, as que mais precisam. Por isso vão receber mais.

“É uma readequaçã­o do programa, que agora estará focado nas crianças pequenas e em situação de vulnerabil­idade”, disse. Das 66 mil ALEXANDRE SCHNEIDER secretário municipal de Educação

CISELE ORTIZ

do Instituto Avisa Lá

DE SÃO PAULO

Desde que foi criado pelo ex-prefeito Paulo Maluf (hoje no PP), em 1995, o Leve Leite serviu de bandeira eleitoral em praticamen­te todas as campanhas.

Falhas na entrega causaram desgaste aos prefeitos, mas nunca foram divulgados estudos sobre impactos do programa na educação e saúde dos alunos.

“Nunca houve uma avaliação séria. É um problema dos nossos programas, porque não se acompanha”, afirma Cisele Ortiz, coordenado­ra Instituto Avisa Lá, que atua na educação infantil, e integrante do Grupo de Trabalho de Educação da Rede Nossa São Paulo.

Têm direito ao benefício alunos com mais de 90% de presença. Como referência, o abandono escolar entre o 6º e o 9º anos REVISÃO cresceu de 1,7%, em 2009, Para Cisele Ortiz, do Instituto para 2,8%, em 2015. Avisa Lá, independen­temente Apesar de reduções pontuais, das mudanças anunciadas, por falta de dinheiro o programa precisava ou falhas em licitações, o de revisão. “Oferecer leite programa teve cresciment­o de forma indiscrimi­nada para com o passar dos anos garantir a frequência escolar —e os custos também. é um objetivo furado, pela Em 2005, na gestão José própria dificuldad­e de avaliar”, Serra (PSDB), as famílias diz. Para receber, é necessário passaram a receber o produto frequência de 90%. também nos meses de

“Se a prefeitura pensa em férias. Os gastos voltaram uma ação entre secretaria­s, seria a aumentar em 2009, ótimo. Porque não se sabe quando a entrega passou se todos precisam de leite ou a ser feita pelos Correios, e de outra complement­ação.” não mais na escola.

Para a nutricioni­sta Anita A decisão do então prefeito Sachs, professora de Medicina Gilberto Kassab da Unifesp (Universida­de (PSD), quando a secretaria Federal de SP), o leite é imprescind­ível de Educação era ocupada por toda vida, também por Alexandre embora seja mais importante Schneider, atendia reivindica­ção até os seis anos por atender dos educadores. A necessidad­es de produtos de reclamação era de que a logística origem animal. “Mas só o programa de entrega nas escolas em si não é adequado, atrapalhav­a o trabalho se a gente não pensar em uma pedagógico. reeducação alimentar”, diz. No ano passado, o gasto

A prefeitura ressalta que a com entrega represento­u merenda escolar já conta com 15% do total empenhado planejamen­to alimentar. Para com o programa. crianças de até 1 ano, seguirá Kassab ainda sofreu críticas com a entrega da fórmula quando deixou, em infantil. A prefeitura promete 2011, de entregar leite Ninho. fazer uma campanha de alei- Ele havia prometido tamento materno, para que em campanha a entrega do mães não substituam a ama- “leite amarelinho”. (PS) mentação por essa fórmula. crianças que esperam atualmente por uma vaga por creche em São Paulo, 13,7 mil estão no cadastro único.

Segundo Shneider, a atenção a essas crianças será um primeiro passo para a implementa­ção de um programa voltado à primeira infância.

“Já é um componente da busca ativa pelas crianças mais vulnerávei­s e que estão fora da escola”, diz. “Essas famílias ainda participar­ão de encontros mensais com orientaçõe­s de saúde e sobre programas sociais.”

A primeira infância é um termo que define o período que vai da gestação aos seis anos. É considerad­a a fase de maior importânci­a para o desenvolvi­mento infantil.

programa, que agora estará focado nas crianças pequenas e em situação de vulnerabil­idade “Oferecer leite de forma indiscrimi­nada para garantir a frequência escolar é um objetivo furado, pela própria dificuldad­e de avaliar

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