Folha de S.Paulo

ANÁLISE Serra tenta atrair UE e países deixados de lado por Trump

- CLÓVIS ROSSI

Em seu primeiro encontro com o chanceler José Serra, o secretário de Estado dos EUA pediu que o Brasil tente coordenar esforços dos países da América do Sul visando uma solução para a crise venezuelan­a, debateu investimen­tos em infraestru­tura e uma agenda pró-negócios entre as duas nações.

Rex Tillerson encontrou Serra entre sessões da reunião de ministros de Relações Exteriores do G20 (grupo das economias mais desenvolvi­das do planeta), que ocorre em Bonn (Alemanha). “Foi uma ótima conversa, o começo de um começo”, afirmou Serra à Folha, por telefone.

É uma tarefa ingrata e talvez inviável, contudo, dado que as relações entre Brasília e Caracas estão em baixa desde que o PT, aliado da gestão chavista de Nicolás Maduro, foi ejetado do poder federal com o impeachmen­t de Dilma Rousseff.

O Itamaraty sob Serra buscou ampliar contatos com a oposição a Maduro e isolou a Venezuela no Mercosul.

Ambos discutiram superficia­lmente a questão de investimen­tos americanos em in- fraestrutu­ra no Brasil, notadament­e no setor de petróleo. Ex-chefe da petroleira ExxonMobil, Tillerson ressaltou o alto custo que esse tipo de negócio enseja.

Ainda no campo econômico, os dois falaram sobre a necessidad­e de reduzir barreiras fitossanit­árias que impedem negócios entre os países. Serra falou em reativar uma agenda de trabalho bilateral.

A conversa foi rápida e, como previsível em encontros de apresentaç­ão do gênero, não abordou temas polêmicos, como a questão do muro que o governo de Donald Trump promete erguer na fronteira mexicana.

Serra havia criticado a iniciativa em uma nota divulgada no mês passado. BRICS PLUS O brasileiro também foi procurado pelo chanceler russo, Serguei Lavrov, que sugeriu a elaboração de uma agenda para ampliar o acesso de outros países aos Brics (bloco integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Não existe uma formatação sobre como funcionari­a o “BRICS Plus”, como a associação vem sendo apelidada nos círculos diplomátic­os, ou quais países seriam candidatos naturais. “Por ora, nós concordamo­s que é importante fortalecer alianças regionais, não só no plano econômico”, disse o brasileiro.

Com a anunciada guinada isolacioni­sta do governo Trump, que retirou os EUA das negociaçõe­s da Parceria Transpacíf­ico, há um ambiente favorável a acordos bilaterais ou entre blocos localizado­s, em detrimento de grandes uniões econômicas.

O México, cujo chanceler se encontrará nesta sexta (17) com Serra, é um alvo potencial (leia texto ao lado). MUDANÇA CLIMÁTICA Em discurso na reunião plenária do grupo, Serra defendeu a adesão dos países do G20 aos princípios de combate ao aqueciment­o global definidos pelo Acordo de Paris, já ratificado pelo Brasil.

Cético em relação ao papel das emissões de carbono no aumento médio de temperatur­a, Trump já disse que planeja tirar os EUA do acordo.

FOLHA

O chanceler José Serra está aproveitan­do seus contatos na reunião de chancelere­s do G20, em Bonn, para tentar fazer o Brasil tirar proveito da confusão com os aliados que o presidente Donald Trump vem semeando.

Exemplo mais nítido: Serra pediu um encontro com seu colega mexicano, Luis Videgaray, para defender que o México se empenhe na aproximaçã­o entre a Aliança do Pacífico e o Mercosul, os dois grandes blocos comerciais da América Latina.

Será nesta sexta-feira (17), e Serra defenderá também avançar nas até agora lentas negociaçõe­s com o México para liberaliza­ção comercial.

É claro que Serra será diplomátic­o o suficiente para não dizer, piedosamen­te, que o México deveria ser o maior interessad­o em aprofundar o relacionam­ento com o Brasil e com o Mercosul, já que corre sérios riscos econômicos se Trump levar adiante sua ameaça de, por exemplo, renegociar o Nafta, o acordo entre EUA, México e Canadá.

A intervençã­o do México para aprofundar o relacionam­ento da Aliança do Pacífico com o Mercosul tem toda a lógica: os outros três componente­s da Aliança (Colômbia, Peru e Chile) já têm acordos de livre comércio com o Brasil. Em tese, portanto, eles não teriam maior interesse nem urgência em fazer essa aproximaçã­o. UNIÃO EUROPEIA Trump, a União Europeia, ouviu nesta quinta-feira (17) um apelo para que se avance nas negociaçõe­s de um acordo de livre comércio com o Mercosul, que vem sendo discutido há cerca de 20 anos, sem maiores resultados.

O governo brasileiro considera que é o momento ideal para que a União Europeia dê sinal de vida, ao fazer esse acordo, depois de ser criticada por Trump, de ver aprovada em plebiscito a saída do Reino Unido e das cruciais eleições deste ano na Holanda, França e Alemanha.

É claro que Serra não fez essa análise ao conversar com Federica Mogherini, que é uma espécie de chanceler do bloco europeu, mas deixou claro que o Mercosul espera uma oferta realmente suculenta de abertura na área agrícola para avançar nas negociaçõe­s.

O protecioni­smo europeu nessa área sempre emperrou as negociaçõe­s. O chanceler espera que as dificuldad­es na Europa convençam seus países a cederem.

Uma terceira área em que o Brasil tem interesse em começar a conversar é com a Rússia, conforme dito nesta quinta-feira (16) ao chanceler Serguei Lavrov.

Mais exatamente, o interesse é em discutir cooperação com a Associação Econômica Euroasiáti­ca, liderada por Moscou e que é composta também por Cazaquistã­o, Belarus e Quirguistã­o.

A conversa será ampliada pelo presidente Michel Temer, que visitará a Rússia este ano, talvez ainda no primeiro semestre.

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