Folha de S.Paulo

A política industrial e a muleta

- JOÃO MANOEL PINHO DE MELLO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: João Manoel Pinho de Mello; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo:

A POLÍTICA industrial é a estratégia de intervençã­o para fomentar setores que, na ausência da política, não existiriam ou ficariam atrofiados quando à sociedade interessa que existam. Política industrial corrige alguma falha de mercado.

Acemoglu e Robinson dizem: “No mundo real, as economias são crivadas por falhas de mercado, de modo que um governo benevolent­e e onipotente pode intervir bastante de forma sensata”.

Fontes de energia limpa —solar, por exemplo— seriam viáveis se os consumidor­es pagassem todos os custos da energia suja (térmica, por exemplo). Deixado à própria sorte, o mercado entrega menos energia limpa do que a sociedade gostaria. A poluição é mais cara do que a diferença de custos entre as energias solar e térmica. Subsidiar a energia solar é bom negócio para a sociedade, ainda que não o seja para o produtor sem subsídio.

Nesse nível de generalida­de, a ideia é sólida. Daí a justificar a escalada dirigista são outros quinhentos.

Metade do crédito passou a ser direcionad­a pelo governo para setores que julga meritórios. As justificat­ivas eram vagas ou erradas. Entre as vagas: “Adensar a cadeia produtiva”. Entre as erradas: “Obras no exterior empregam engenheiro­s brasileiro­s”. Faltava engenheiro no Brasil.

A outra metade, que toma emprestado no guichê sem ajuda, paga a conta na forma de juro mais alto.

Há mais de 40 regimes tributário­s especiais para setores “estratégic­os”. Não faltou isenção tributária para estimular o investimen­to. Qual a falha de mercado em cada caso?

Os sem-isenção, na fila do ponto de ônibus e do SUS, pagam a conta.

A escalada dirigista não corrigiu falhas de mercado. Compromete­ram-se as contas do governo sem aumentar a capacidade de produção. A produtivid­ade patinou, e a conta veio na forma de uma recessão brutal. Acemoglu e Robinson também dizem: “Quem já encontrou um governo benevolent­e e onipotente?”.

O empresaria­do reclama com razão. Oferecemos capital caro (para os que estão no guichê errado), legislação trabalhist­a engessada, sistema tributário kafkiano, burocracia e infraestru­tura precária.

Aí reparamos com isenções tributária­s, empréstimo­s subsidiado­s (no guichê correto) e políticas de proteção (como conteúdo local). Para compensar a calçada esburacada, criamos uma muleta disfarçada de política industrial.

O certo é consertar a calçada e retirar a muleta: simplifica­r a estrutura tributária, avançar na reforma trabalhist­a, reduzir o custo de fazer negócios e diminuir, para todos e de maneira sustentáve­l, a taxa de juro (e com isso o custo de capital para o investimen­to). Essa é a agenda do cresciment­o sustentáve­l.

Boa notícia: já começamos. O controle da inflação permitirá a queda do juro.

A alocação do crédito subsidiado melhorou. A nova política operaciona­l do BNDES tem critérios claros para a concessão de empréstimo­s subsidiado­s. A fração de financiame­nto com juro subsidiado é mais alta para projetos de energia limpa e saneamento, cujo benefício social é claramente maior do que o privado (há falha de mercado). A fração dos projetos com empréstimo subsidiado diminuiu, e o subsídio está mais horizontal.

A política do BNDES se aproximou das práticas de bancos de desenvolvi­mento como o KFW alemão. O KFW tem políticas horizontai­s, taxas de juros de mercado e subsídio para casos em que há falhas claras de mercado (energia renovável e mobilidade, por exemplo). Não há estímulo para o conteúdo local.

A agenda que permite retira a muleta está em curso. Avancemos com cautela pois a calçada segue esburacada, mas avancemos. O país tem grandes empresário­s que não precisam de muleta, mas sim de condições adequadas para fazer negócio.

Há uma agenda de cresciment­o em curso; o controle da inflação permitirá a queda do juro

JOÃO MANOEL PINHO DE MELLO,

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