Folha de S.Paulo

Onda de violência no ES tem gangues e PMs sob suspeita

Balanço mostra aumento de 276% dos homicídios em meio a motim policial

- FABRÍCIO LOBEL VICTOR PAROLIN MG BA

Três cidades somaram praticamen­te metade das mortes, e IML teve até briga entre grupos criminosos rivais

Era tarde de quarta (8) quando um caminhão de som da associação dos policiais civis do Espírito Santo estacionou no meio da via que dá acesso ao IML de Vitória para impedir a passagem de mais carros funerários.

A justificat­iva era evitar um caos maior no prédio do instituto médico legal, onde equipes de legistas se desdobrava­m para dar conta da quantidade atípica de corpos e de parentes de vítimas que brigavam entre si —só os assassinat­os da antevésper­a eram 31 especifica­mente nessa seção, contra média de 3 por dia.

Nas ruas, estava no ápice uma onda de crimes em meio ao motim de PMs: foram registrado­s pelo Estado 143 homicídios entre os dias 4 e 13, 276% mais que os 38 do mes- mo período do ano passado.

Levantamen­to com base nos dados oficiais divulgados nesta semana mostra que quase metade dos assassinat­os se concentrou em três municípios no entorno da capital: Serra, Vila Velha e Cariacica, marcadas por regiões pobres periférica­s e que somam um terço da população do Estado.

Investigad­ores ouvidos pela Folha e autoridade­s da segurança pública citam três hipóteses que podem explicar a disparada das mortes:

1) ação de gangues que disputam pequenos pontos de venda de droga e aproveitar­am a ausência de PMs para cobrar dívidas e ganhar território; 2) crimes cometidos por policiais encapuzado­s, por vingança ou para espalhar terror; 3) atuação de grupo de extermínio organizado, com ou sem ligação com militares.

O perfil dos mortos, conforme dados do Sindicato dos Policiais Civis muito semelhante­s aos registros oficiais, aponta que 67% eram pardos, 18%, negros, e 15%, brancos. A maior parte das vítimas tinha de 17 a 22 anos.

O motim dos PMs por reajuste salarial ficou marcado pela ação de mulheres e parentes deles na frente dos batalhões —tentativa de evitar a exposição dos militares, proibidos de fazer greve.

Com a disparada de homicídios, saques e assaltos, tropas do Exército e da Força Nacional foram enviadas para as ruas —concentrad­as em Vitória, que reúne bairros mais ricos e maior índice de desenvolvi­mento humano.

O governo anunciou processos para punir mais de 700 militares, incluindo a ameaça de expulsão, e a mobilizaçã­o acabou perdendo força no último final de semana. RIVAIS No IML de Vitória, para onde era encaminhad­a a maioria das vítimas de cidades vizinhas, uma equipe de manutenção correu para arrumar geladeiras com defeito. Cada exame era feito em até 20 minutos, sendo que normalment­e duram até duas horas.

Na sala de espera, houve briga de famílias cujos parentes pertenciam a grupos criminosos rivais. Policiais civis foram ao local com duas escopetas para conter os ânimos. “O tumulto era generaliza­do, na sala de necrópsia, na sala de lesões corporais”, diz Cassio Laiber, legista e chefe do Departamen­to Médico Legal (como é chamado o IML local).

O sindicato dos policiais civis avalia que a disputa entre familiares relatada por legistas explicita a disputa entre grupos rivais que controlam a droga em pequenas áreas.

Foi assim que um sobrinho de Ana (nome fictício) morreu no dia 9. O rapaz de 20 anos estava em um ponto de venda de drogas, em área pobre de Vitória, quando foi atingido por quase 20 tiros, segundo a tia. “Era um rapaz tranquilo. Mas há quatro meses começou a se envolver com drogas”, afirma Ana, que diz conhecer os autores do crime —jovens traficante­s ligados a uma gangue. “Todos aqui sabem quem são e ninguém faz nada”, declara.

O Departamen­to Médico Legal diz que as mortes deste mês foram basicament­e por arma de fogo (na maioria de calibre .380 e 38), mas sem sinais aparentes de tortura. MILITARES O governo Paulo Hartung (PMDB) também investiga a participaç­ão de PMs devido à disparada dos homicídios em meio ao motim policial.

Para investigad­ores, os relatos de mortes causadas por homens encapuzado­s, a queima de ônibus na Grande Vitória e um assalto ao turístico Convento da Penha são condizente­s com uma articulaçã­o maior que a de criminosos comuns do Estado.

“Vamos fazer também um pente fino em relação a todos os homicídios. Há mais de 30 denúncias na Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos de crimes cometidos por policiais nesse período. Se houver participaç­ão de militares ou até mesmo de milícias, elas serão combatidas”, afirmou André Garcia, secretário da Segurança do Estado.

Há denúncias da ação de grupos de extermínio, que podem ou não ter ligação com PMs. “O que definirá a presença de militares é a investigaç­ão a ser conduzida a partir de agora”, afirma a ouvidora nacional, Irina Bacci.

O Espírito Santo chegou a reduzir as mortes violentas nos últimos anos, embora continuass­e no ano passado com um índice de 37,4 por cada 100 mil habitantes —acima da média nacional (de 28,6). Nova Venécia Cariacica Guarapari Total de mortes entre 4 e 13 de fevereiro Cor, em % Comparação com a população do ES (2010) Colatina 5 2016 Número de mortes por dia 40 8 4 51 2015 135 Homens 17 5 6 14 7 16 38 4 8 4 12 32 19 Vitória 8 Mulheres 11 8 Pardos 49 15 9 67 fevereiro.2017 11 10 6 32 9 São Mateus Linhares Aracruz 8 Serra Vila Velha 14 11 2017 18 42 8 12 15 5 13

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Fontes: Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do ES, Sindicato dos Policiais Civis do ES e IBGE/Pnad

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