Carnaval gospel tem cover de Mamonas Assassinas, ‘abadeus’ e desavença com evangélicos tradicionais
Dá para ser evangélico e curtir o Carnaval? Igrejas tradicionais costumam chiar. A praxe, afinal, é enviar fiéis para retiros afastados dos pecados da carne purpurinada.
Outras aproveitam a festa para pregar a palavra —como a igreja carioca que já estendeu na fachada um cartaz no meio do bloco Sovaco de Cristo: “Não fique só no sovaco! Conheça Cristo por inteiro!”.
A Bola de Neve Church preferiu cair no samba. No domingo (12), levou à sua sede de Guarulhos (SP) a Batucada Abençoada, bateria da igreja famosa por usar pranchas de surf como púlpito.
Com abadás por R$ 30, o grupo entoava adaptações evangelizadoras de hits pop.
Em “Pelados em Santos”, do Mamonas Assassinas, não é mais a mina do corpão violão que enlouquece o cara: “Jesus me deixa doidããããão”. Há também versão para “Seven Nation Army”, o rock do White Stripes que virou hino de torcidas organizadas.
Santos instituiu, via lei municipal de 2014, o Dia do Evangelismo de Carnaval Bola de Neve. Todo sábado de Carnaval, fiéis percorrem 10 km da orla. Em 2016 foram 18 mil, segundo o Corpo de Bombeiros.
A arena 2017, no dia 25, terá food truck, palco de música eletrônica e 12 camarotes (R$ 3.000 cada, para até 14 pessoas), diz Eric Viana, 40, pastor idealizador da bateria.
Ele diz que não fazia sentido se isolar num retiro enquanto cidades eram tomadas por “toda a negatividade do Carnaval mundano” —cita gravidez indesejada, lixo na rua e motoristas alcoolizados.
“A gente se sentiu bastante egoísta em viver a alegria de Deus refugiado disso tudo”, diz Viana, um ex-fã de Iron Maiden que vendeu o cabelo comprido na Galeria do Rock para comprar um terno ao encontrar Jesus. “Só depois percebi que a transformação não era por fora.” Ele agora combina jeans com blusa justa no muque e usa expressões como “os pastores são ‘top’”.
Salvador também tem seu bloco evangélico, organizado no Pelourinho pela Igreja Batista Missionária da Independência. Para 2017, a novidade é o funkeiro gospel Tonzão, com o hit “Passinho do Abençoado” (“Invés de dançar igual
Para igrejas mais tradicionais, unir fé e folia gera mais polêmica do que bênção. Olinda (PE), por exemplo, anunciou um polo gospel em seu Carnaval, um dos maiores do Brasil. Uma semana depois cancelou a atração, a pedido dos próprios organizadores, criticados por colegas de credo.
A bancada evangélica da Assembleia pernambucana não aprovou, usando termos como “prejuízo espiritual”.
Fora os “pecados da carne”, a festa “muito atrelada a candomblé e umbanda” também incomoda o segmento, diz o teólogo Marcelo Rebello, 44. O crente, afirma, “serve a um Deus único”, e as múltiplas entidades (como os orixás) seriam uma afronta à sua fé.
Em 2016, um dos patronos do Império Serrano declarou ao jornal “O Dia” que cairia fora se a escola de samba carioca apostasse num enredo ligado a religiões afrobrasileiras.
“Já fui espírita e não tenho nada contra, mas me encontrei na palavra do Deus vivo. O dia em que o Império quiser falar sobre espiritismo, cabe a mim querer ficar ou não. Mas certamente, eu não ficarei”, disse o batista Rildo Seixas.
Procurada, a agremiação não quis falar sobre o tema, “pois já causou muito mal estar para a nossa comunidade”.