Sem dança, show da Mangueira passou por religião e política
No tradicional espetáculo de verão, público ovacionou Chico Buarque, recebido aos gritos de ‘Fora, Temer’
Repertório reverencioso apresentado em SP na quarta (15) não cativou quem desconhecia o samba-enredo da escola
Os desavisados não entenderam por que tanta oração. Ansiosos pelo ritmo da Mangueira em seu tradicional show de verão, precisaram ajoelhar e fazer coro para uma sucessão de Ave-Marias.
Maria Bethânia bem que avisou. Abriu o espetáculo desta quarta (15), no Tom Brasil, com “Emoções”, de Roberto Carlos, e fez bonito com “Reconvexo”, de seu irmão Caetano, antes de esclarecer que o enredo da verde-e-rosa celebrava seu orixá.
“Sempre que a tristeza, a mágoa ou a dor me cerca, eu me lembro... ‘Quem me chamou?/ Mangueira/ Não mexe comigo, eu sou a menina de Oyá’”, cantou Bethânia os versos do enredo antigo, com o qual a escola a homenageou, sagrando-se campeã no desfile carnavalesco de 2016.
Na verdade, o samba-enredo deste ano, “Só com a Ajuda do Santo”, pretende celebrar a diversidade religiosa, passando pela liturgia católica até o candomblé.
Foi também Bethânia que convocou o baluarte da Estação Primeira, Tantinho, dando início a um constante troca-troca no palco.
Em seguida veio Leci Brandão pedindo palmas para todas as religiões, em especial às de “matriz africana”. Entoou “Romaria” e deu lugar a Fafá de Belém, imponente com seu cocar nas cores da escola.
Emocionada, Fafá evocou “Círio de Nazaré”, prestando um breve tributo a sua terra natal, onde, ela diz, as religiões coexistem em paz.
Na sua vez, Rosemary esqueceu um trecho de “Nossa Senhora”, antes de seguir com “Jesus Cristo”, ambas do Rei.
Roberto Carlos, aliás, parecia onipresente. Mas as partes mais animadas do show foram justamente as que conseguiram escapar de suas composições e evitar que tudo debandasse para mais um Especial de Natal da Globo.
Nesse altar do samba, os devotos não puderam comungar. A grande decepção da festa foi a proibição da dança. Quando Elba Ramalho chamou um animado forró de Luiz Gonzaga e pediu para o público arrastar o pé, foi só o que deu mesmo para fazer... sentado.
No entanto, quando ela finalmente convidou Chico Buarque, anfitrião do evento desde que ele foi criado, em 1997, todo mundo ficou de pé e muitos gritaram “Fora, Temer”.
Com a voz mais fraca de todos e uma passagem cirúrgica pelo palco, a grande atração da noite cantou “O Que Será”, “Samba do Grande Amor” e, por último, “O Meu Amor”, que ganhou reforço de Alcione, uma das intérpretes da canção.
Ao fim da festa, a bateria da Mangueira mostrou a que veio neste Carnaval. Após mais gritos de “Fora, Temer”, soaram os tambores e arremataram o espetáculo com os hinos da escola de samba, passistas e porta-bandeira.