Folha de S.Paulo

O STF não dá conta

Acúmulo de processos no Supremo atrasa julgamento­s, dificulta as punições e torna necessária uma revisão das regras do foro privilegia­do

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Os números são espantosos. Aproximam-se de 500 os processos contra políticos correndo no Supremo Tribunal Federal (STF), dos quais 357 inquéritos e 103 ações penais.

A informação provém de um voto do ministro Luís Roberto Barroso, datado de 10 de fevereiro, que justificad­amente procura apresentar soluções para o quadro, certamente inadminist­rável a médio prazo, que descreve.

Com efeito, argumenta o magistrado, a perspectiv­a de casos ainda mais frequentes de investigaç­ões contra deputados federais, senadores ou ministros acarreta os óbvios riscos de congestion­amento das atividades do Supremo e de delongas processuai­s cujo efeito acaba sendo a virtual impunidade dos culpados.

Quanto ao primeiro risco, Barroso menciona o exemplo do processo do mensalão, que ocupou o STF por 69 sessões seguidas, durante cerca de um ano e meio, com prejuízo para a análise de inúmeros outros casos em que uma corte constituci­onal é instada a decidir.

A ameaça paralela —de que casos de grave desvio de verbas públicas terminem tendo sua punibilida­de extinta— também se comprova. Reportagem publicada pelo jornal “O Estado de S. Paulo” cita os números de um levantamen­to da Fundação Getulio Vargas, segundo os quais o índice de condenaçõe­s no Supremo é inferior a 1%.

De 404 ações penais analisadas, 276 prescrever­am ou foram remetidas a outras instâncias.

Há razões suficiente­s, como se vê, para considerar que o foro privilegia­do —prerrogati­va plenamente justificáv­el, destinada a proteger autoridade­s de eventual perseguiçã­o judicial por inimigos políticos— demanda reexame.

É necessário rever as normas que abrem, a um extenso rol de políticos e dirigentes, tantas ocasiões de impunidade. Tanto o número de contemplad­os quanto o de crimes abarcados pelo mecanismo pode, em tese ao menos, ser reduzido.

Em seu voto, Barroso avança uma alternativ­a, no plano da interpreta­ção constituci­onal: a de que o tribunal se ocupe apenas dos casos de acusação de delitos cometidos no cargo e em razão do cargo protegido pelo foro.

Embora tentadora, a proposta deverá despertar polêmica. Como evitar que hipotético­s arbítrio e perseguiçã­o política de um único juiz de primeira instância alcancem injustamen­te o detentor de um mandato popular ou de um posto no primeiro escalão do Executivo?

As estatístic­as da impunidade e da morosidade judicial confirmam, entretanto, a “disfuncion­alidade” a que se refere Barroso —e os objetivos por ele expostos merecem discussão jurídica e legislativ­a.

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