Folha de S.Paulo

Vinte anos sem Darcy

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BRASÍLIA - “Se os governador­es não construíre­m escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios”. A frase de Darcy Ribeiro voltou a ser lembrada no mês passado, quando o país viveu uma onda de massacres nas cadeias. Foi profetizad­a em 1982, quando o antropólog­o se elegeu vice-governador do Rio na chapa de Leonel Brizola.

Muitos políticos usam a educação para fazer demagogia barata. Não era o caso de Darcy. Ele idealizou e construiu centenas de Cieps, escolas públicas de tempo integral. Ergueu duas universida­des, incluindo a de Brasília, da qual foi o primeiro reitor.

Não deixou de ser chamado de professor nem quando chefiou a Casa Civil, no governo João Goulart. Em 1964, tentou liderar uma resistênci­a brancaleôn­ica ao golpe. Deixou o Planalto quando os militares já ocupavam o gabinete presidenci­al, de onde só sairiam 21 anos depois. “Aquela era minha hora de chumbo. Hora que eu preferia estar morto a sofrê-la: a hora do derrotado”, conta, em suas memórias.

Darcy dizia ver duas opções na vida: se resignar ou se indignar. Escolheu a segunda, e culpava a indiferenç­a da elite pelo atraso do país. “O Brasil tem um bolsão de gente que vem da escravidão, oprimido, marginaliz­ado. Enquanto não incorporar este bolsão, o Brasil não existirá como gente civilizada”, avisava.

O professor não se conformou nem com a doença. No fim da vida, arranjou uma cadeira de rodas e fugiu do hospital onde tratava um câncer. Queria voltar para sua casa de praia e terminar “O povo brasileiro”, um tratado ambicioso sobre a mistura de raças que formou o país.

Com falsa modéstia, ele dizia que sua aventura não deu certo. “Tentei alfabetiza­r as crianças brasileira­s, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universida­de séria e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”. Na sexta-feira (17), o Brasil completou 20 anos sem Darcy.

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