Folha de S.Paulo

Responsabi­lidade fiscal x social

- SAMUEL PESSÔA COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: João Manoel Pinho de Mello; sábado: Marcos Sawaya Jank;

ELIO GASPARI, em sua coluna de quarta-feira passada (15) nesta Folha (folha.com/no1858824), sugere haver escolha de Sofia a desafiar nossos gestores. Há conflito entre responsabi­lidade fiscal e responsabi­lidade social?

Paulo Hartung, governador do Espírito Santo, e toda a sua equipe têm feito um duro trabalho para enfrentar a terrível crise fiscal pela qual passa o Espírito Santo, que, ademais, acomete também outros Estados brasileiro­s.

Elio Gaspari sugere que, no caso capixaba, há um conflito entre a responsabi­lidade fiscal e a social e Hartung errou ao esticar demais a corda do ajuste fiscal. Seria melhor que ele fizesse como o ex-presidente Geisel fez, em outro episódio e sob outras circunstân­cias, e cedesse.

Penso que Elio Gaspari erra. Não há conflito entre responsabi­lidade social e fiscal. Muito pelo contrário. Esta é um pré-requisito para aquela.

É a responsabi­lidade fiscal que permitiu que o Espírito Santo não atrasasse salários dos servidores e, portanto, conseguiss­e manter os serviços públicos funcionand­o normalment­e. Foi a responsabi­lidade fiscal que criou espaço orçamentár­io para que a participaç­ão do gasto com segurança na despesa total —entre 2010 e 2016— subisse de 9% do Orçamento para 14%.

Evidenteme­nte, numa situação em que a receita do Estado despencou —fruto da crise econômica, da queda do preço do petróleo, de uma seca que atingiu pesadament­e a cultura do café robusta, uma das bases da economia capixaba, e, finalmente, do desastre da Samarco—, os salários de todos os servidores não se elevaram nos últimos dois anos.

Como a experiênci­a do Rio de Janeiro demonstra, é muito pior conceder aumentos de salários e não ter dinheiro no caixa para honrá-los do que conter a subida dos salários, mas manter os pagamentos em dia.

É claro, portanto, o caráter político da greve dos policiais do Espírito Santo. Esse caráter fica mais evidente ainda pelo fato de o movimento ter sido deflagrado quando o governador se licenciou em razão de tratamento de saúde.

Há farta evidência em nossa história econômica de que descuido com a política fiscal é o primeiro passo para a desorganiz­ação da economia, e essa leva, inexoravel­mente, à inflação e ao desemprego e, portanto, à irresponsa­bilidade social.

A irresponsa­bilidade fiscal no período da redemocrat­ização está na raiz da hiperinfla­ção brasileira.

No primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, houve descuido com a responsabi­lidade fiscal. Por muito pouco não perdemos a estabilida­de econômica. Somente o ajuste fiscal no segundo mandato perenizou a estabilida­de econômica ganha com o Plano Real e pavimentou o caminho para as melhoras sociais sob o petismo.

A desorganiz­ação fiscal que começou lenta e silenciosa­mente em 2009, após a crise de 2008, aprofundou-se ao longo do primeiro mandato da presidente Dilma e estabelece­u os contornos e a intensidad­e da crise atual. Os índices de pobreza têm aumentado para além da chaga do desemprego.

Evidenteme­nte, em uma sociedade que passou anos vivendo o sonho de um permanente boom de commoditie­s, governada por gestores da área econômica formados em uma escola de pensamento que considera não haver restrições de recursos, o sonho do ganho fácil e permanente contaminou cada um dos poros de nossa sociedade, em tudo já meio perdulária de nascença.

Ajuste fiscal dói: em casa, no trabalho ou no setor público. A alternativ­a é muito pior.

O descuido com a política fiscal leva à desorganiz­ação da economia, e esta, à irresponsa­bilidade social

SAMUEL PESSÔA,

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil