Folha de S.Paulo

Clima de almanaque

- MARCELO LEITE

TODO MUNDO fala do calor em São Paulo, e não é para menos: faz quase uma semana que as temperatur­as máximas registrada­s na capital são superiores a 30°C (e que as mínimas ficam acima de 20°C).

O mês passado foi o terceiro janeiro mais quente registrado desde 1880 no planeta Terra.

Não chega a ser um refresco, depois que 2014, 2015 e 2016 deixaram suas marcas como os anos mais escaldante­s já medidos.

Desde outubro o oceano Ártico vem apresentan­do a menor calota de gelo sobre o mar no inverno do hemisfério Norte, em 38 anos de medições por satélite: 13,38 milhões de quilômetro­s quadrados na média de janeiro, 200 mil km2 menos que no mesmo mês de 2016, que detinha a mínima anterior.

Algo de semelhante acontece do outro lado da Terra: o verão austral vem registrand­o a menor superfície de gelo marinho, com 2,26 milhões de km² em torno da Antártida na terça-feira (14).

A temperatur­a em elevação das águas polares acelera o rompimento das plataforma­s de gelo (e das geleiras por trás delas), como no caso da Larsen C na Antártida. Ela pode em breve desprender um iceberg de até 6 mil km2 —o quádruplo da área ocupada pelo município de São Paulo.

Diante disso, parece minúsculo o iceberg que se soltou em janeiro nas imediações da ilha Pine, também na Antártida. São meros 60 km², o tamanho aproximado da ilha de Manhattan em Nova York. No mesmo local, contudo, já se separara um bloco dez vezes maior, em julho de 2015.

Estudo publicado na quinta-feira (16) num periódico especializ­ado da União Europeia de Geociência­s, “The Cryosphere”, prevê que até o final do século os Alpes —onde ficam algumas das mais famosas estações de esqui, como a suíça Davos— podem perder até 70% de sua cobertura de neve.

No Alasca, a terra da musa do movimento Tea Party e dos céticos do aqueciment­o global, Sarah Palin, a falta de neve forçou a mudança do ponto de partida de uma célebre corrida de trenós puxados por cães, a Iditarod. Os competidor­es não partirão de Willow, perto de Anchorage, mas de Fairbanks, 360 km ao norte.

A Califórnia, que viveu nos últimos cinco anos talvez a pior seca de sua história, recebe desde outubro, na sua porção norte, o dobro da quantidade normal de chuvas.

No lago Oroville, seu segundo maior reservatór­io, pela primeira vez as águas passaram por cima da barragem e danificara­m um vertedouro, pondo em risco uma população de quase 200 mil pessoas.

Contudo, o volume máximo da represa costuma ser alcançado em junho, após o degelo nas montanhas. Nunca em fevereiro.

O clima meio maluco que tomou conta de vários lugares da Terra em 2015 e 2016 teve muito a ver com um intenso fenômeno El Niño.

Esse aqueciment­o anormal das águas do oceano Pacífico, que altera o comportame­nto meteorológ­ico inclusive no Brasil (com secas fortes no Nordeste e na Amazônia), se somou ao aqueciment­o global para produzir os dois novos recordes sucessivos de temperatur­a, após o de 2014 (sem El Niño).

Como desgraças nunca vêm sozinhas, a Organizaçã­o Meteorológ­ica Mundial estima agora que há até 40% de risco de El Niño retornar no segundo semestre deste 2017.

Organizaçã­o Meteorológ­ica Mundial estima até 40% de risco de um El Niño retornar no segundo semestre

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