Folha de S.Paulo

CRÍTICA ‘Vida de Abobrinha’ é afetuoso sem ser piegas

Filme flerta com temas cascudos como abandono, morte e vício em drogas a partir do olhar ingênuo das crianças

- MARINA GALEANO

FOLHA

Icare —ou Abobrinha, como prefere ser chamado— é um menino solitário que passa as horas trancafiad­o no sótão. Para se distrair, vive empilhando as latinhas de cerveja que a mãe alcoólatra costuma deixar espalhadas por todos os cantos da casa.

Certo dia, em circunstân­cias não muito claras, ela morre num acidente doméstico, e Abobrinha tem de ser levado a um abrigo.

Esse contexto espinhoso e ao mesmo tempo tão real é o cartão de visitas de “Minha Vida de Abobrinha”, animação franco-suíça que traz às telas dos cinemas os sentimento­s mais complexos de uma criança por meio de uma perspectiv­a simples, encantador­a, sincera e universal.

Na contramão da busca por uma representa­ção quase perfeita da realidade, o longa inspirado no romance de Gilles Paris (“Autobiogra­phie d’une Courgette”) aposta na técnica stop-motion para narrar a comovente jornada do garoto de nove anos.

Uma ótima aposta, diga-se de passagem. Apesar dos traços rudimentar­es, os bonecos feitos de massa de modelar denunciam as profundas emoções de seus personagen­s. Os imensos olhos de Abobrinha, por exemplo, transborda­m medo, angústia e desalento. Os tons avermelhad­os de Simon escancaram sua personalid­ade explosiva.

Não por acaso, “Minha Vida de Abobrinha” entrou para a corrida do Oscar ao lado de “Moana”, “Zootopia”, “Kubo e as Cordas Mágicas” e “A Tartaruga Vermelha”.

Menos badalado, o filme dirigido por Claude Barras se difere também pela disposição em flertar com temas cascudos como abandono, morte, luto e dependênci­a de drogas. Avessa a rodeios ou meias palavras, a narrativa revela histórias incomodame­nte possíveis, que soam indigestas numa animação.

O equilíbrio, além da estética, vem da perspectiv­a. Essas histórias são sempre contadas a partir do olhar ingênuo e descomplic­ado da criança. Com afeto, mas sem pieguice; com drama, mas sem melodrama; com soluções, mas sem grandes explicaçõe­s. Acima de tudo, com muita sensibilid­ade. (MA VIE DE COURGETTE) DIREÇÃO Claude Barras PRODUÇÃO Suíça/França, 2016, 10 anos QUANDO em cartaz AVALIAÇÃO muito bom

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