Folha de S.Paulo

Apetite de leão

- MAURICIO STYCER

MARCADO PARA 29 de março, o desligamen­to da TV analógica no principal mercado do país, a cidade de São Paulo e municípios do entorno, está mexendo com a imaginação de três dos principais concorrent­es da Globo.

Record, SBT e RedeTV!, associados em uma única empresa, estão certos de que conseguirã­o ser remunerado­s pela cessão de seus sinais digitais às operadoras de TV por assinatura. As três emissoras hoje não recebem nada por isso.

Ao aprovar a joint-venture do trio, em maio de 2016, o Cade (Conselho Administra­tivo de Defesa Econômica) estabelece­u algumas restrições, entre as quais a proibição de as emissoras cobrarem por seus sinais de operadoras com menos de 5% de participaç­ão no mercado. Por este motivo, as negociaçõe­s se restringem às quatro principais empresas em atividade no país (Net, Sky, Oi e Telefônica).

Batizada inicialmen­te como Newco, a associação entre Record, SBT e RedeTV! ganhou novo nome depois de aprovada pelo Cade. Agora chama-se Simba – um nome que diz muito sobre o apetite de leão do trio.

A resistênci­a das operadoras à joint-venture é óbvia. Nunca pagaram nada; por que vão pagar agora?

Os números em jogo, como quase tudo neste mercado, não são abertos. Já ouvi ou li algumas estimativa­s (ou chutes). De um lado, a Simba imagina que poderia alcançar uma receita de até R$ 1 bilhão por ano com a remuneraçã­o de seus sinais. Já as operadoras avaliam que o impacto sobre a mensalidad­e dos assinantes pode ser de até R$ 15.

Entre as restrições impostas pelo Cade à associação, uma das mais interessan­tes é a exigência de que boa parte da receita líquida da nova empresa seja investida no desenvolvi­mento de produtos e serviços para televisão por assinatura e outras mídias. Ou seja, a Simba se obriga a ser uma produtora de conteúdo.

No caso da RedeTV!, o elo mais fraco na empresa, esta possibilid­ade de receita é vista como tábua de salvação. O canal hoje vende quase metade de seus horários para igrejas evangélica­s ou empresas com negócios variados.

Record e Band também dependem pesadament­e da venda de horários a igrejas para fechar seus orçamentos. Ricardo Feltrin, em sua coluna no UOL, estimou que entre 30% e 35% do faturament­o destes três canais vêm do comércio de faixas da programaçã­o.

Um dos sócios da RedeTV!, Marcelo de Carvalho é o único executivo do meio que fala abertament­e sobre esta situação vergonhosa. Carvalho costuma se justificar criticando a distribuiç­ão desproporc­ional, segundo ele, entre verba de publicidad­e e audiência.

Ele repete a seus interlocut­ores uma provocação feita no ar, há três anos, em sua própria televisão, durante entrevista a Luciana Gimenez, sua mulher: “A Globo tem um pouco mais de 30% de audiência e fica com mais de 80% do dinheiro da publicidad­e”.

Por esta lógica, o comércio de horários para igrejas seria uma forma de compensar a falta de publicidad­e. O SBT é uma exceção —Silvio Santos resolveu este problema usando a emissora como supermerca­do de suas próprias marcas.

As negociaçõe­s da Simba com as grandes operadoras de TV por assinatura, ora em curso, podem ajudar, ao menos, a tornar um pouco mais transparen­te este mercado e a colocar em pauta de forma aberta muitas das questões envolvidas.

Associação entre Record, SBT e RedeTV! para enfrentar TVs por assinatura expõe o setor a um debate importante

mauriciost­ycer@uol.com.br facebook.com/mauricio.stycer

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