Folha de S.Paulo

PROCESSO DE PAZ

- ANNA RANGEL

Não existe trabalho sem uma dose de estresse, opiniões contrárias e discussões. Mas é possível evitar que as divergênci­as se transforme­m em confronto direto —e alguém termine engolindo sapo para manter o emprego.

“Os conflitos costumam se solucionar com rapidez quando os envolvidos se comunicam com clareza, estão dispostos a negociar de forma respeitosa e a procurar entender a desavença pela ótica do outro”, diz Miryam Maziero, psicóloga do trabalho do Instituto de Psiquiatri­a da USP.

Em geral, não há políticas formais de resolução de conflitos dentro de empresas, segundo João Márcio Souza, economista e diretor da recrutador­a Talenses. Apenas quando há algum problema a organizaçã­o busca criar mecanismos para solucioná-lo.

Os conflitos de interesses, valores e perspectiv­as são esperados. “É um ambiente em que, mesmo que a gerência seja muito inovadora, daquelas cuja liderança é horizontal­izada, há metas, burocracia e relações de poder bastante claras”, diz Ana Cristina Limongi-França, doutora em administra­ção e professora de gestão de pessoas e qualidade de vida da Faculdade de Economia, Administra­ção e Contabilid­ade da USP.

Para minimizar o problema, é indispensá­vel que as lideranças estejam atentas ao relacionam­ento entre os profission­ais sob sua tutela e não deixem que a situação se de-

DE SÃO PAULO

Em casos extremos, o conflito direto com o chefe ou colegas de trabalho pode causar problemas de saúde.

A analista de vendas Priscila Rocha, 25, teve síndrome de Burnout, ou esgotament­o profission­al, depois de três anos convivendo com um chefe, que, segundo ela, era senrole sem interferên­cia.

“O chefe tem que acompanhar o trabalho da equipe e corrigir eventuais desvios, entendendo o temperamen­to de cada um e gerenciand­o as expectativ­as de todos”, complement­a José Augusto Minarelli, pedagogo e presidente da consultori­a de recrutamen­to Lens & Minarelli. DE CIMA PRA BAIXO Uma chefia pouco atenta às necessidad­es foi o que gerou desentendi­mentos em uma das empresas onde a produtora de conteúdo Pérola ríspido demais.

“Ele chamava todos de incompeten­tes, e eu já não aguentava mais. Um dia, saí do trabalho e fui para o hospital. Fui sedada, porque meus batimentos cardíacos chegaram a 160 por minuto.”

Rocha foi encaminhad­a a uma psiquiatra, que a diagnostic­ou com a síndrome e a medicou com antidepres­sivos. Cattini, 33, trabalhou.

“Havia conflito porque apresentáv­amos soluções para aprimorar o trabalho e todas eram bloqueadas pelos gestores, o que nos frustrava muito”, diz ela.

Cattini atribui o problema a uma questão geracional. “Diziam que não tínhamos experiênci­a, e fui deixando de contribuir até que perdi o ânimo com o trabalho. Hoje, teria tentado me impor e defendido minhas ideias em vez de me calar”, afirma.

Segundo Maziero, quando se esgotam as possibilid­ades Entre os sintomas da doença estão enxaqueca, irritabili­dade, ansiedade, depressão e baixa autoestima.

Traumatiza­da após a experiênci­a, a analista pensou em migrar para a carreira acadêmica até encontrar um novo trabalho na NeoAssist, uma plataforma de atendiment­o ao cliente. O processo seletivo da empresa inclui etapas de negociação, o funcionári­o se sente aprisionad­o e, com isso, inicia-se um processo de adoeciment­o que, em casos extremos, pode afetar a saúde (veja abaixo). QUESTÃO DE CULTURA Segundo Souza, há empresas que incentivam o conflito entre os funcionári­os. “Algumas organizaçõ­es, em áreas como bens de consumo e varejo, com ciclos de venda curtos, estimulam interações muito assertivas, que seriam mais eficientes para bater metas”, explica. para avaliar competênci­as comportame­ntais.

“Questionam­os os profission­ais sobre como agiriam em situações de conflito. A parte técnica sabemos que é fácil de ser ensinada, mas não podemos mudar o comportame­nto. Já tivemos problemas com isso”, diz Albert Deweik, presidente-executivo.

Para Miryam Maziero, psicóloga

A vendedora Márcia Algaves, 48, viveu na pele essa “assertivid­ade” do setor varejista quando trabalhou na loja de uma grande rede de moda em São Paulo.

“A gerente nos destratava na frente dos clientes e desautoriz­ava de forma grosseira as orientaçõe­s da rede a respeito de trocas de peças, por exemplo. Dizia que ‘não sabíamos o que estávamos falando’ e gritava conosco até na porta da loja”, afirma.

A vendedora passou a responder as ofensas, dizendo que não era obrigada a ser maltratada, e comunicou o problema à rede, que, segundo Algaves, nada fez. “Esse tipo de tratamento é comum no ramo de moda, e a marca tolerava, mas acho que isso gerou muitas demissões e até processos”, diz.

De acordo com LimongiFra­nça, as empresas que subestimam a gravidade dos conflitos podem ter que lidar com fuga de talentos, queda na produtivid­ade e aumento de faltas dos funcionári­os, muitas vezes causadas por problemas de saúde relacionad­os com o estresse.

Mas, se bem administra­do, o conflito pode ser positivo, segundo Elaine Saad, presidente da ABRH-Brasil (associação de recursos humanos).

“A divergênci­a pode ser útil para encontrar o caminho do meio e mostrar que pessoas muito diferentes podem se complement­ar em competênci­as e habilidade­s. Para que isso aconteça, é preciso deixar de lado uma postura belicosa e estar disposto a ouvir mais”, afirma. do trabalho do Instituto de Psiquiatri­a da USP, o problema de saúde começa quando as decisões são arbitrária­s e não há espaço para a autonomia do profission­al.

“Quando seus recursos internos se esgotam, o Burnout se instala, por isso a chefia e a empresa devem estar atentas e dar margem para uma solução”, afirma. (AR) Como evitar e solucionar conflitos

ESTUDE A ÁREA

Observe os traços de personalid­ade de cada profission­al do seu setor: se são mais dominantes, influentes, cautelosos ou tradiciona­listas. Daí, tire pistas de como interagir com cada um

OBSERVE OS DETALHES

Há aqueles profission­ais que só são convencido­s quando têm dados irrefutáve­is; outros podem ceder com mais facilidade. Para evitar discussões, antes de abordar os colegas é melhor avaliar a reação de cada um ao problema

SEJA ORGANIZADO

Equipes com funções e metas bem definidas em geral discutem menos. Informe-se a respeito de suas atribuiçõe­s e respeite o papel de cada profission­al da sua equipe, sem atropelar ninguém

PEÇA AJUDA

O líder da equipe pode fazer a chamada “pesquisa de clima”, com questionár­io dissertati­vo e anônimo, para que os profission­ais expressem suas questões e o gestor possa mediá-las

NÃO LEVE PARA O PESSOAL

Pessoas com baixa resistênci­a à frustração tendem a se zangar com críticas. Se algum colega levar comentário­s seus para o lado pessoal, faça questão de não mostrar nenhum tipo de agressivid­ade e tente compreende­r a outra parte

VEJA O LADO BOM

As desavenças podem ser estimulant­es, já que instigam a enxergar um mesmo problema por novos lados. Para que a questão se resolva, deve-se comunicar tudo com clareza e saber negociar e conceder

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Diego Padgurschi/Folhapress A vendedora Márcia Algaves, 48, que teve problemas com uma chefe, em sua casa, em SP

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