Veto a islâmicos preocupa judeus, afirma pensadora
Para Judith Butler, plano de Trump tem paralelo com discriminação nazista
Autora, cujo livro sobre identidade judaica chega ao Brasil, critica política israelense para cidadãos palestinos
Quando o presidente Donald Trump propôs restringir a entrada de muçulmanos nos EUA, diversos setores da sociedade americana se opuseram. Judeus estiveram entre os críticos ferrenhos dessa política, diz a pensadora americana Judith Butler, 60, pois eles sofreram discriminações semelhantes na Alemanha nazista e “viveram as horrendas consequências”.
Ainda que as circunstâncias históricas tenham sido distintas, há um princípio em comum, afirma Butler: o preconceito contra todo um povo a partir de sua identidade.
A identidade judaica e o sionismo são temas do livro que Butler lança no Brasil neste mês, “Caminhos Divergentes: Judaicidade e Crítica do Sionismo” (editora Boitempo, R$ 68, 240 págs.).
Leia abaixo a entrevista que ela concedeu à Folha.
(DIOGO BERCITO) Folha - Recentemente houve comparações entre a perseguição a judeus na Alemanha nazista e o veto a muçulmanos imposto por Trump. É justo compararmos esses cenários?
Judith Butler - São circunstâncias históricas bastante diferentes, mas há um princípio semelhante: é injusto discriminar um povo a partir de sua nacionalidade, raça ou religião. Uma razão pela qual tantos judeus têm sido críticos ferrenhos da política proposta por Trump é que eles sofreram esse tipo de discriminação e viveram suas horrendas consequências. Qual é a sua definição da “identidade judaica”?
Pergunte em qualquer mesa de jantar entre judeus e haverá um debate. Talvez isso seja um tipo de definição. O governo israelense argumenta que Israel é um “Estado judeu”. O que “judeu” significa nesse contexto?
É interessante. Já que o Estado não quer que “judeu” seja um termo religioso, então uma pessoa não precisa ser religiosa para ser considerada um judeu. Por outro lado, os casamentos precisam ser presididos por autoridades religiosas. Então há uma tensão em relação ao significado da identidade. Para alguns, é uma questão de herança. Para outros, determina um conjunto de valores e compromissos religiosos. Como isso impacta a ideia de uma identidade palestina?
Muitas pessoas não sabem que mais de 20% dos israelenses são palestinos. Eles vivem dentro do Estado, mas não têm os mesmos direitos e oportunidades que os judeus israelenses. Esse tipo de cidadania de segunda classe é inaceitável. É também injusto que os palestinos que perderam sua terra e lar em 1948 e em 1967 não tenham seus direitos claros como cidadãos. Parte da crítica ao sionismo parte da percepção de que esse é um movimento judaico. Mas a senhora argumenta, que os judeus podem se opor ao sionismo. Como esses conceitos interagem?
Se alguém se opõe ao sionismo por ser contra os judeus, então isso é antissemitismo e tem de ser combatido. Mas, se alguém se opõe ao si- onismo porque essa é uma forma de discriminação sistemática, então me parece justo.
Nós, os judeus que se opõem ao sionismo, não negamos ou rejeitamos nossa “judaicidade”. Nós apenas nos lembramos de que os judeus sempre se preocuparam com a justiça. A solução de um só Estado para o conflito entre Israel e Palestina tem se tornado cada vez mais provável?
É importante distinguir as diferentes versões da chamada “solução de um Estado”. Para o premiê Binyamin Netanyahu e os políticos de direita em Israel, todas as terras palestinas seriam anexadas e se tornariam parte de um grande Israel. Isso levaria a um Estado de apartheid, em que os cidadãos de diversas origens religiosas e étnicas seriam tratados de maneira diferente. Eu me oponho a essa versão.
Outra versão é aquela que estabelece a igualdade para todos os habitantes, com o governo conjunto de judeus israelenses e palestinos. Muitos pensam que essa é uma solução utópica, mas por que não abraçaríamos uma democracia radical para a região?