Programa dá ajuda psicológica a vítimas de abusos do EI no Iraque
Universidade alemã treina profissionais para oferecer tratamento
EM DOHUK (IRAQUE)
Faz menos de duas semanas que Perwin Ali Baku escapou da facção terrorista Estado Islâmico (EI), após mais de dois anos de cativeiro, quando foi comprada e vendida entre os combatentes, levada do Iraque à Síria e trazida de volta.
Quando uma porta bate, a jovem da minoria yazidi de 23 anos lembra-se de seus captores, que mantinham trancada sua filha de 3 anos, capturada junto com ela, para atormentá-la. Quando ouve uma voz alta, encolhe-se por pensar neles gritando ordens.
“Não me sinto bem”, disse Perwin, sentada em um colchão na pequena cabana de seu sogro, coberta com lona, em um campo de refugiados no norte do Iraque. “Ainda não consigo dormir.”
Perwin quer um tratamento, e espera encontrá-lo em um novo instituto de traumas psicológicos que está sendo criado na Universidade de Dohuk, o primeiro da região.
É a próxima fase de um projeto ambicioso financiado pelo Estado alemão de Baden-Württemberg (sul), que levou 1.100 mulheres que escaparam do cativeiro, principalmente yazidis, para receber tratamento psicológico na Alemanha.
O diretor-médico do projeto, o psicólogo alemão Jan Kizilhan, também é a força propulsora por trás do novo instituto, que abrirá no fim do mês. O programa vai treinar profissionais locais de saúde mental para tratar pessoas como Perwin e outras vítimas dos extremistas.
Cerca de 1.900 yazidis escaparam da milícia terrorista, mas mais de 3.000 outras mulheres e crianças ainda estariam em cativeiro, forçadas à escravidão sexual.
Enquanto continua a luta entre as forças iraquianas e os militantes do EI em Mossul, a apenas 75 km de Dohuk, o número que consegue se libertar aumenta dia a dia.
Neste momento há apenas 26 psiquiatras em atuação na região semiautônoma curda no norte do Iraque, com uma população de 5,5 milhões de pessoas e mais de 1,5 milhão de refugiados e deslocados internos. Nenhum dos médicos é especializado em traumas psicológicos.
Dos milhares capturados pelo EI, os meninos foram obrigados a lutar pelos extremistas, os homens foram executados se não se convertessem ao islã, e as mulheres e meninas foram vendidas como escravas.
Aqueles que tiveram a sorte de escapar conservam profundas cicatrizes psicológicas. “Estamos falando sobre trauma em geral, sobre trauma coletivo e sobre genocídio”, disse Kizilhan, que tem origem yazidi e emigrou para a Alemanha aos 6 anos. “Esse é o motivo que temos para ajudá-los, se pudermos. É nosso dever humano.”
O novo Instituto de Psicoterapia e Psicotraumatologia na Universidade de Dohuk, em cooperação com a Universidade de Tübingen, na Alemanha, treinará 30 novos profissionais em três anos.
A meta é estender o programa a outras universidades regionais, para que daqui a dez anos possa haver mais de mil psicoterapeutas na região.