Folha de S.Paulo

Tudo ou nada

-

A escolha e a aprovação de Alexandre de Moraes para o Supremo Tribunal Federal (STF) condensou e revelou, em duas rápidas semanas, a verdadeira natureza do grupo que tomou o poder no Brasil. Trata-se da mais aberta e nítida direita que chegou ao governo desde a ditadura militar, mesmo consideran­do-se o consulado Collor. As suas simpatias repressiva­s assustam; o seu compromiss­o democrátic­o soa duvidoso.

Nomeado secretário da Segurança de São Paulo em dezembro de 2014, Moraes escolheu como primeiro gesto posicionar-se contra projeto de lei aprovado na Assembleia Legislativ­a que proibia o uso de bala de borracha em protestos. Depois, os secundaris­tas que ocuparam as escolas da periferia souberam quantas delas foram desalojada­s sem mandado judicial.

Por fim, antes de ser catapultad­o para a esfera federal, o chefe da polícia paulista montou um bem sucedido cerco às manifestaç­ões do Movimento Passe Livre (MPL) contra o aumento dos transporte­s.

Em compensaçã­o, Moraes em pessoa apareceu na Paulista para garantir tranquilid­ade aos manifestan­tes pró-impeachmen­t nos idos de março passado, quando a avenida foi ocupada por radicais antipetist­as revoltados com a nomeação de Lula para a Casa Civil.

Diante dos questionam­entos da imprensa a respeito dos dois pesos e duas medidas — pau nos protestos de esquerda e afago nos de destra—, Moraes respondeu que o Movimento Brasil Livre (MBL) tinha avisado com antecedênc­ia que estaria em ação. Ah, bom!

Em resumo, sai MPL, entra MBL. As relações com o MBL, aliás, levaram Moraes a um dos seus mais conhecidos deslizes. Já titular da Justiça, insinuou a um grupo de militantes ultraliber­ais que um petista importante seria preso nos dias seguintes. Aconteceu.

O nome de Moraes é tão identifica­do com uma opção radical que, ao designá-lo, Michel Temer alienou significat­ivos apoios centristas. Os principais veículos de comunicaçã­o manifestar­am repúdio à substituiç­ão do discreto Teori Zavascki pelo vociferant­e professor. Por que, então, o presidente, sempre sensível à temperatur­a do establishm­ent, resolveu indicá-lo?

A resposta, creio, reside na realpoliti­k. Quis o destino que se abrisse uma inesperada chance de reverter a pequena maioria progressis­ta que orientava o STF. Por mais contradiçõ­es que houvesse, o time formado por Cármen Lúcia, Rosa Weber, Ricardo Lewandowsk­i, Luiz Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Teori Zavascki tendia a interpreta­r a Constituiç­ão pelo lado do avanço social.

Com a entrada de Alexandre, os ventos regressivo­s ganham precioso apoio no plenário da corte. Temer decidiu não desperdiça­r a oportunida­de. Osmar Serraglio no Ministério da Justiça confirma a fase de tudo ou nada.

ANDRÉ SINGER

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil