Folha de S.Paulo

Sem surpresas

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A cada dia que passa, as garras da Lava Jato ficam mais próximas do núcleo do governo Temer. O que me surpreende aqui é que ainda existam pessoas que se surpreende­m com isso.

Já desde antes do impeachmen­t de Dilma Rousseff venho alertando que aqueles que viam o afastament­o da petista como uma ação para promover a ética na política quebrariam a cara. “Não há nenhum motivo para esperar que um governo encabeçado por Michel Temer e próceres do PMDB seria perceptive­lmente mais ético do que a gestão petista”, escrevi em abril do ano passado.

Karl Marx pode ter errado em muitas coisas, mas era um observador arguto da realidade. Ele estava correto ao sustentar que são as relações econômicas, a infraestru­tura, que acabam determinan­do a superestru­tura, categoria que inclui os desenvolvi­mentos políticos de uma sociedade.

O principal fator a determinar a queda de Dilma não foi, portanto, a lambança ética capitanead­a pelo PT, mas o desastre econômico que resultou de sua gestão. Se, no ano passado, o país estivesse crescendo e o desemprego permaneces­se controlado, não haveria crise política ou escândalo capaz de derrubá-la. Como a situação era diametralm­ente oposta — nove trimestres de recessão, com inflação e desemprego nas alturas—, bastaram delitos de difícil compreensã­o para o grande público, como as pedaladas, para apeá-la do cargo.

Voltando a Temer, seu governo é, no plano ético, tão ruim quanto o anterior, mas, na economia, ao adotar uma agenda mais ortodoxa, ele está conseguind­o aos poucos arrumar a casa, algo que Dilma também tentou com Joaquim Levy e não conseguiu.

É óbvio, contudo, que o parcial sucesso econômico da gestão Temer não lhe dá um salvo-conduto. As investigaç­ões devem prosseguir e atingir quem tiverem de atingir. Apesar de eventuais instabilid­ades agora, será institucio­nalmente bom para o Brasil levar a Lava Jato até o fim. helio@uol.com.br

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