É mau hábito pisar no calo de quem já sofre
Chega por e-mail o aviso do jornalista Tárik de Souza: na marchinha “O Teu Cabelo Não Nega”, o “não pega” do verso “mas como a cor não pega, mulata” tem o sentido de “não pega nada, não importa”, o que dá à música um sentido antirracista, ao contrário do que eu interpretava. Pode ser.
Enquanto parte do movimento negro luta contra o termo “mulata”, Nei Lopes defende sua origem no latim “costurar para unir”.
No trabalho hercúleo de “desobjetificar” a mulher perante a sociedade, muita gente aplaudiu a Globeleza vestida, ao mesmo tempo em que ouço de uma senhora negra que o trabalho de mulata lhe trouxe dignidade —“era isso ou trabalhar em casa de família”.
Mais ainda, leio que a preparadora de passistas da Portela afirmou que mulata é profissão, não importa a cor. O debate toma ares acadêmicos, recheado de termos e conceitos —“problematizar”, “lugar de fala”, “empatia”, “protagonismo”.
Uns acreditam que o uso de certas palavras ajuda a manter o negro na condição de pária no subconsciente popular, enquanto uma amiga carioca reclama de “problematizadores de Facebook” que nunca puseram os pés no Bola Preta, o bloco mais negro da cidade. Complexo.
Quando a discussão passa para o campo da tradição, mais dúvidas vêm à tona. Penso no cineasta espanhol Luis Buñuel e em sua máxima,“A tradição é uma estátua que anda”. Acredito muito nisso.
Nossa verdadeira vocação é criar, renovar, dialogar com nosso tempo, contar nossa própria história, como se dispõe a fazer o bloco que criei, Espetacular Charanga do França. Em comparação a tudo isso, pisar no calo de quem já sofre o ano todo é apenas um mau hábito; deixar tudo como está é papel do conservadorismo, não da tradição.
A interpretação ao pé da letra do verso “mas como a cor não pega, mulata”, dos irmãos Valença, compositores do refrão que recebeu estrofes do genial Lamartine Babo, causa incômodo a muita gente, motivo que levou alguns blocos, o meu entre eles, a excluir a marchinha do repertório carnavalesco.
Muitas músicas são deixadas de lado por inúmeros motivos, o que deveria ser visto com bons olhos: ao selecionar o repertório da festa, cada bloco busca sua identidade, seu enredo. Ruim seria se todo mundo tocasse a mesma coisa, aí sim o Carnaval seria uma chatice.
De toda forma, não há banimento ou boicote, cada um deve saber de si mesmo.
Num cenário em que o preconceito é estrutural, deixar de tocar uma música é apenas um quitute estético dentro da luta diária —vide eu, homem branco, falando sobre racismo no jornal.
Uns acham tudo isso bobagem, tratam racismo e assédio como “lendas urbanas”; outros sentem na própria pele o ano inteiro. O Carnaval, além de festa, é também um grande laboratório social, um momento de fomentar ideias e aprofundar debates.
Não me convence essa visão da cultura apenas como entretenimento, esse lugar inócuo da arte que não incomoda e não provoca.
Uma obra de arte não traz em si verdades absolutas, apenas aquilo que cada pessoa consegue decupar, seja sua ferramenta emocional ou intelectual. A interpretação dos símbolos varia, inevitavelmente, para cada um, com base em suas próprias experiências.
Para uma questão tão profunda, não há resposta binária certa ou definitiva, apenas aquilo que a consciência manda.
A Charanga tocará muitas marchinhas e deixará de fora umas duas ou três que já tocou em outros anos, mas censura é ferramenta do fascismo, uma que me recuso a usar. THIAGO FRANÇA,
É conversa fiada do deputado Fábio Ramalho que ele está defendendo Minas Gerais ao romper com o governo de Michel Temer. Na verdade, ele quer é aumentar a sua influência política, considerando que é vicepresidente da Câmara. Mas isso é o PMDB, nada sacia o partido. Dizer que vai trabalhar para derrotar os projetos de interesse nacional, para contrariar o presidente, é de uma falta de patriotismo lamentável.
MANOEL PASSOS
Concordo com quase todas as observações do colunista Bernardo Mello Franco (“O novo senhor Justiça”, “Opinião”, 24/2), exceto com a de que Eduardo Cunha é o “alvo mais notório” da Operação Lava Jato. Evidentemente o alvo mais notório é outro, que anda livre e despreocupado por aí, falando o que bem entende sobre tudo e sobre todos.
DALTON MATZENBACHER CHICON
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O editorial levanta uma importante discussão que deve ser feita de forma transparente. Será que vamos resolver o problema fechando as creches, responsáveis por 0,51% do orçamento da USP de 2016? Ou será melhor rediscutir o repasse que não aumentou, apesar de a universidade ter crescido com a inclusão da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (USP-Leste) e da Escola de Engenharia de Lorena, e cortar o excedente dos supersalários que são maiores do que o do governador e, portanto, estão fora da lei?
ISABELLE C. S. DE CASTRO
Dérbi Incrível a magia que envolve um clássico Corinthians x Palmeiras. A comoção na cidade lembra final de campeonato, ainda que seja só um jogo pelo estadual. Pena a torcida única, o horário, a não profissionalização da arbitragem etc. (“Árbitro que errou no clássico ficará sem apitar jogos da CBF”, “Esporte”, 24/2).
CLÁUDIO FERREIRA