Folha de S.Paulo

Politizand­o o Supremo

- DEMÉTRIO MAGNOLI COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Celso Rocha de Barros, terça: Mario Sergio Conti, quarta: Elio Gaspari, quinta: Janio de Freitas, sexta: Reinaldo Azevedo, sábado: Demétrio Magnoli, domingo: Elio Gaspari e Janio de Freitas

“POLITIZAÇíO” E “partidariz­ação” do STF. As acusações, originária­s especialme­nte do PT e de sua área de influência, deram o tom da resistênci­a à indicação de Alexandre de Moraes. Afora as calúnias habituais veiculadas pela pistolagem petista nos porões da internet, a crítica faz sentido. Mas quem começou foi o próprio PT, com Ricardo Lewandowsk­i e Dias Toffoli.

O que é “politizaçã­o”? Nas democracia­s, cortes constituci­onais sempre fazem política, no sentido amplo. (Nas ditaduras, também o fazem, mas seguindo ordens do ditador). Ao longo do século 20, a Suprema Corte dos EUA oscilou entre decisões que conferiram constituci­onalidade às leis estaduais de discrimina­ção racial e sentenças que baniram, em definitivo, a legislação racista. A Constituiç­ão permaneceu a mesma; os tempos mudaram —e, com eles, os valores dominantes.

A lei está incrustada no domínio plástico da política, não no mármore da eternidade. A indicação presidenci­al de ministros do STF e sua aprovação pelo Senado configuram uma politizaçã­o virtuosa. O resultado é uma corte suprema que reflete os valores majoritári­os expressos nas urnas durante um lapso temporal relativame­nte longo —ou seja, o “espírito da época”.

Na Bolívia, em contraste, os magistrado­s são eleitos diretament­e pelo povo, o que viola o princípio da independên­cia dos tribunais, reduzindo o Judiciário à condição de caixa de ressonânci­a do governo de turno.

No STF, do decano Celso de Mello, indicado por Sarney em 1989, a Edson Fachin, indicado por Dilma em 2015, passando por Marco Aurélio (Collor, 1990), Gilmar Mendes (FHC, 2002) e por outros quatro ministros indicados nos governos lulopetist­as, funcionou a regra da “politizaçã­o democrátic­a”. Mesmo os casos extremos de Roberto Barroso e Fachin, porta-bandeiras do neoconstit­ucionalism­o radical, uma corrente ideológica que almeja transferir o poder de legislar para juízes iluminados, inscrevem-se na regra do jogo.

Mas o jogo democrátic­o é envenenado quando a “politizaçã­o” alarga-se até abranger a tentativa de captura partidária do STF. Lewandowsk­i, um lulista fiel desde os tempos de São Bernardo, e Toffoli, jovem advogado da CUT e do PT, foram guindados ao STF entre 2006 e 2009, no contexto do processo do mensalão.

Lula não os indicou em nome de valores políticos de fundo, mas das funções úteis que poderiam cumprir em defesa dos réus detentores da prerrogati­va de foro. Toffoli pagou sua “dívida de sangue” na revisão da sentença original do mensalão e, em seguida, declarou independên­cia. Lewandowsk­i seguiu impávido na sua missão partidária, até atingir um ápice, fatiando a Constituiç­ão para preservar os direitos políticos de Dilma.

Temer imita Lula. Alexandre de Moraes está para Alckmin e o núcleo do PMDB como Lewandowsk­i está para o lulismo —e seus votos, nos julgamento­s da Lava Jato, padecerão de justificad­a suspeição de origem. Mas o problema de fundo não se encontra na ausência de escrúpulos de presidente­s que alçam fieis partidário­s ao STF, pois isso sempre pode existir.

A crise tem raízes na conjunção temporal das devassas judiciais da corrupção nos altos círculos da República com a extensão exorbitant­e da prerrogati­va de foro. Se a sorte da fina flor da elite política está nas mãos dos magistrado­s do Supremo, só a virtú dos presidente­s separa a Corte da captura políticopa­rtidária. Mas virtú, como se sabe, não é mercadoria abundante na nossa república bananeira.

A solução, tão simples quanto improvável, é restringir radicalmen­te a quantidade de detentores de prerrogati­va de foro, um privilégio hoje concedido aos amigos do rei e, tipicament­e, até aos amigos dos amigos (ôps!). O corte do foro privilegia­do não serviria, como asseveram demagogos em fúria santa, para prender um número maior de corruptos, mas para salvar o STF da politizaçã­o viciosa.

Alexandre de Moraes está para Alckmin e o núcleo do PMDB como Lewandowsk­i está para o lulismo

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