Folha de S.Paulo

Bem-visto nos EUA, Kuczynski desponta entre latinos

- SYLVIA COLOMBO

No primeiro encontro de um presidente latino-americano com Donald Trump, o peruano Pedro Pablo Kuczynski disse ao americano nesta sexta-feira (24) que prefere “pontes a muros”.

Ele se referia ao muro que o governo dos Estados Unidos pretende construir na fronteira com o México.

Kuczynski afirmou estar interessad­o na livre circulação legal de pessoas. Segundo ele, a conversa com Trump na Casa Branca foi “cordial e construtiv­a” e foram discutidos “temas de interesse comum, como comércio, imigração, problemas na América Latina e a possibilid­ade de uma relação muito boa com os EUA”.

Pouco antes do encontro, Trump havia dito que o “Peru tem sido um vizinho fantástico”. Em declaração logo após a reunião, que durou cerca de dez minutos, o americano disse que a crise na Venezuela também foi discutida com Kuczynski. “Temos um problema com a Venezuela, que está indo muito mal.”

Segundo Kuczynski, eles discutiram rapidament­e a questão envolvendo a extradição do ex-presidente peruano Alejandro Toledo, que se encontra nos EUA.

Considerad­o foragido pela Justiça do Peru, ele é acusado de ter recebido US$ 20 milhões em propina da empreiteir­a brasileira Odebrecht.

Kuczynski largou na frente em relação a seus colegas latino-americanos. Dias após tomar posse, em janeiro, o presidente dos EUA se reuniria com Enrique Peña Nieto, do México —eles já haviam se encontrado em agosto, quando Trump ainda era candidato. Peña Nieto, porém, cancelou a visita a Washington em meio à polêmica sobre o muro na fronteira.

O argentino Mauricio Macri foi convidado por Trump para ir a Washington em maio. Há expectativ­a, ainda, que o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, também se encontre com o americano nos próximos meses. BRASIL Na última semana, o porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, negou que o Brasil estivesse sendo preterido diante dos outros países, cujos líderes conversara­m com o presidente por telefone, enquanto Michel Temer teve como interlocut­or o vice, Mike Pence.

Segundo Spicer, Temer e Trump não se falaram depois da posse por questão de “agenda”. A única conversa entre os dois foi em dezembro.

Segundo a Folha apurou, o governo brasileiro estaria esperando até que o governo Trump esteja mais bem instalado para falar sobre eventuais encontros ou visitas. Há pouco mais de um mês no poder, ele ainda tem se voltado muito para temas internos e precisa completar sua equipe em diversos escalões.

O ex-chanceler José Serra, no entanto, conversou com o secretário de Estado, Rex Tillerson, em reunião do G20, na semana passada, e ouviu um pedido para o Brasil coordenar esforços contra a crise na Venezuela. (ISABEL FLECK)

Às vésperas da eleição americana, o renomado economista Tyler Cowen escreveu uma coluna no site da Bloomberg com este título: “Está desapontad­o com Clinton e Trump? Então, tem um sujeito no Peru…”.

No texto, Cowen enumerava as qualidades que gostaria de ver num presidente americano, mas que não encontrava de jeito nenhum nos dois então candidatos ao cargo, e sim em... Pedro Pablo Kuczynski.

Entre elas: tem experiênci­a no setor público (foi ministro da Economia) e no privado, é bem relacionad­o internacio­nalmente, fez mestrado em Princeton, estudou filosofia, política e economia, trabalhou no Banco Mundial e no FMI, viveu muitos anos em Washington, está casado com uma americana e fala inglês fluente.

Ainda, foi co-presidente de um banco de investimen­tos em Boston e fundou uma empresa para orientar investidor­es interessad­os em fazer negócios na América Latina.

A coluna de Cowen tinha claro tom de provocação. Mas, de fato, PPK, apesar de não ter sido um bom candidato —ganhou apertado no segundo turno de Keiko Fujimori—, reúne qualidades e uma formação que poucos líderes latino-americanos de hoje possuem.

No Peru, seu apelido é “gringo”, pelo espanhol com sotaque de estrangeir­o, pelo tempo que passou fora do país e por detalhes de sua vida pessoal, como ter estudado flauta no Royal College of Music, da Inglaterra, e ter em casa um piano que pertenceu ao britânico Noël Coward.

Se no Peru seu governo tem sido irregular —pela dificuldad­e de aprovar projetos num Congresso de maioria fujimorist­a, pela desacelera­ção da economia, por conflitos com o setor da mineração—, na política externa PPK tem surgido como um improvável líder regional.

Com o Brasil voltado à sua crise interna, a Argentina demorando mais tempo do que o prometido por Macri para despontar, o México com suas dificuldad­es para baixar o nível de hostilidad­e de Trump e a Colômbia com a atenção voltada à implementa­ção do acordo de paz, restam poucos com credenciai­s e visão mais ampla para as preocupaçõ­es regionais.

Para muitos, pode soar estranho que o primeiro líder latino-americano a se encontrar com Trump seja peruano. Mas talvez PPK possa ser o líder que hoje melhor transmita uma mensagem em nome da região na Casa Branca.

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Yuri Gripas/Reuters O presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, é recebido pelo americano Donald Trump na Casa Branca nesta sexta (24)

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