Folha de S.Paulo

O Carnaval paulistano é um compilado de lendas e passa bem

- CHICO FELITTI

FOLHA

Encontrei, embaixo de um leito de confete que cobria a praça Roosevelt, um livro. Qual foi a surpresa abrir suas páginas e ver desfilar um compilado de lendas do Carnaval paulistano, esse recémnasci­do que passa bem. Convido para um desfile delas.

Era uma vez, na Vila Madalena, o morador que não foi obrigado a se exilar da própria casa na folia. Um madaleno que abraçou o auê, o fuá, o ilê. E o cheiro agridoce de mijo que exalam as paredes.

Acordava com o surdo às 8h e só ia dormir depois que a última cerveja “três por R$ 10” fosse entornada. Decidiu que ia aceitar a predestina­ção de morar na rua chamada Purpurina.

Era outra vez a Contadora Conservado­ra que no bloco Casa Comigo sentiu a brisa que é ser mulher e ser livre. Beijou quem queria. Não beijou quem não queria. Deixou a saia subir enquanto subia a Faria Lima. O top descer enquanto descia até o chão no largo da Batata.

Na bruma daquela cerveja colorida, decidiu ser feminista. Não casar com ninguém. Em março esqueceu a epifa- nia e falou mal da Susane do RH, que beijou dois índios de etnias fictícias distintas.

Ainda mais lendário, o Convidado que Se Divertiu no Baile de Carnaval da Vogue está lá. Ninguém nunca viu, mas um colega de pilates do Iguatemi jura que ele existe.

Em meio a sorrisos amarelos de dentes branqueado­s, plumas milionária­s e carões tão rígidos que mais parecem carrancas, encontrou alegria no hotel cinco estrelas da Brigadeiro. Seus olhos brilharam mais que os diamantes das socialites ocupadas demais fazendo nada para bolar uma fantasia e por isso contratam um “personal carnavales­co” —o cargo, juro, não é lenda.

Sacis correm a cidade jogando pó de autocritic­a na cara dos foliões. O coxinha se constrange por um segundo ao pensar que ouvir Ivete por quatro horas na Vila Olímpia pode ser melhor que pegar uma prainha em Miami Beach. O esquerdinh­a sente na Consolação, durante o Soviéticos, uma maresia que o transporta para o Malecón de Havana —onde nunca esteve.

Mas a maior lenda momesca não está no livro. Ainda. É a do paulistano que conseguiu pular um Carnaval sem beijar um publicitár­io ou uma publicitár­ia —a nuvem de gafanhotos que assola a cidade. É mais fácil ver a loira do banheiro no mictório do Center 3.

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Junior Lago- 18.fev.2017/UOL Bateria do bloco Casa Comigo em Pinheiros, na zona oeste

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