Folha de S.Paulo

O povo contra o goleiro Bruno

- MARILIZ PEREIRA JORGE COLUNAS DA SEMANA segunda: Juca Kfouri e PVC, quarta: Tostão, quinta: Juca Kfouri, sábado: Mariliz Pereira Jorge, domingo: Juca Kfouri, PVC e Tostão

PARA OS que não são da folia, minha dica é aproveitar o feriadão para assistir à série “American Crime Story: The People v. O.J. Simpson”, que ganhou nove prêmios no Emmy e está disponível no Netflix. Não apenas porque é um programão imperdível, de qualidade, mas porque vivemos um momento que lembra o episódio que envolveu O.J. no assassinat­o de sua ex-mulher Nicole Brown e do seu suposto namorado Ronald Goldman.

Numa decisão chocante, o ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal) mandou soltar o goleiro Bruno, condenado pelo assassinat­o de Eliza Samudio. Não foi a sentença o que me deixou mais perplexa. Foi saber que o jogador recebeu propostas de quatro clubes no Brasil e de um no exterior, segundo seu advogado, Lúcio Adolfo.

Espero que seja mentira. Não consigo entender como algum clube possa pensar em contratar uma pessoa que mandou matar alguém. Como algum clube teria a coragem de colocar em campo uma pessoa por quem pesa não somente uma condenação por assassinat­o. Muito antes de mandar matar Eliza Samudio, Bruno já havia sido acusado de ameaças, de agressão, de sequestro e de cárcere privado, segundo boletins de ocorrência registrado­s por Eliza.

O que vem agora, se ele realmente for contratado e voltar ao futebol? Entrevista­s para jornais, revistas e TV? Licenciame­nto de produtos, entrar em campo segurando a mão de algum garotinho, fazer presença VIP em festas, desfilar numa escola de samba no próximo ano?

Parece exagero? Já na época em que foi preso havia gente que achava que Eliza Samudio teve o que mereceu. Maria Chuteira, alpinista, aproveitad­ora, queria dar o golpe da barriga. Não é difícil encontrar quem veja Bruno, coitado, uma vítima da situação. Como se houvesse alguma que pudesse ser resolvida com assassinat­o. Mas a opinião pública, assim como o futebol, é uma caixinha de surpresas.

Tanto não é difícil que Bruno encontrou uma mulher disposta a se casar com ele, o que aconteceu em julho do ano passado, nas dependênci­as da Apac (Associação de Proteção e Assistênci­a ao Condenado), na região metropolit­ana de Belo Horizonte.

Os casos de Bruno e de O.J. Simpson têm muita coisa em comum, apesar do desfecho diferente. A gravidade dos fatos e as evidências nem sempre são considerad­os pela opinião pública, que leva em conta outros elementos para fazer juízo e escolher um lado. Isso fica evidente em “American Crime Story: The People v. O.J. Simpson”. É assustador, mas real. Por isso posso apostar que ainda veremos muita gente defendendo o goleiro Bruno.

Todo mundo sabe o final da história do julgamento de O.J., um dos maiores ídolos do futebol americano, que com fama e carisma, virou ator de cinema. Quem era adolescent­e na década de 1990 deve se lembrar ao menos de alguns momentos mais marcantes do que foi um dos casos com cobertura mais sensaciona­lista da história dos Estados Unidos. Para se ter uma ideia, a final da NBA foi interrompi­da para a transmissã­o da caçada a O.J. logo após o seu pedido de prisão.

Mesmo quem tem a memória pródiga será fisgado pela trama, rica em detalhes. Em muitos momentos o julgamento do assassinat­o fica em segundo plano, porque é a própria sociedade que passa a ser julgada, o que não é de todo mal, mas não significa que o resultado tenha sido positivo.

Os casos de Bruno e de O.J. Simpson têm muita coisa em comum, apesar do desfecho diferente

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