Ao ficcionalizar vidas de judeus vistos como loucos, autor chama à tolerância
FOLHA
Em “Meshugá - Um Romance sobre a Loucura”, Jacques Fux alterna pequenos textos quase ensaísticos, de uma ou duas páginas, com perfis ficcionalizados de oito personagens reais que não possuem absolutamente nada em comum exceto o fato de serem judias e de serem associadas, pelas mais diversas razões, a variados tipos e formas de insanidade.
Ao colocar, em sequência, as histórias de Woody Allen, Bobby Fisher, Ron Jeremy, Sarah Kofman, Sabbatai Zevi, Otto Weininger, Grisha Perelman, Daniel Burros e suas supostas loucuras, misturadas a fortes doses de preconceito, sofrimento, ironia e agressividade, o autor cria um efeito evidentemente perturbador. Nesse sentido, seu projeto é forte e bem-sucedido.
O último capítulo do volume torna o jogo ainda mais interessante, ao inserir o próprio autor como personagem que sofre as consequências do livro que escreveu: “Ele enlouqueceu junto com seus personagens”. Ninguém passa incólume por tal acúmulo de memória e distorção.
Na leitura isolada dos diferentes perfis, contudo, o resultado é desigual: em alguns casos (Ron Jeremy ou Sarah Kofman) tudo funciona muito bem, em outros (Woody Allen, por exemplo) nem tanto.
Outro pequeno incômodo que vale a pena apontar é que certas construções aparecem demasiadas vezes no texto e terminam por irritar o leitor —e o leitor contemporâneo, como todo aquele que resiste, já é sempre um ser muito irritado.
Exemplo dessas construções são as orações muito curtas que repetem três vezes um mesmo elemento: “A culpa é da maldita guerra. Da maldita Shoá. Da maldita humanidade” ou “Ela se enxerga como uma francesa. Como uma católica. Como alguém que renegou...”.
Nada disso, contudo, altera o fato de que, nesses tempos de tanta intolerância, um livro como “Meshugá” é mais do que necessário. ADRIANO SCHWARTZ QUANTO