Folha de S.Paulo

Gil ganha três homenagens no Carnaval

Blocos Filhos de Gandhy e Cortejo Afro, além do governo da Bahia, destacam o cantor e compositor neste feriado

- CLAUDIO LEAL

‘Para o Gandhy, sem dúvida, eu tive um papel’, afirma artista, que ajudou agremiação com música em 1973 FOLHA,

No retorno do exílio político (1969-1972), o compositor Gilberto Gil iniciou um ciclo de forte identifica­ção com a cultura negra da Bahia. Nessa descoberta, obrigou-se a reerguer o afoxé Filhos de Gandhy, bloco fundado por estivadore­s em 1949, marcante em sua infância.

A canção “Filhos de Gandhi” (1973) retirou a agremiação da decadência e contribuiu para que, anos depois, chegasse a formar um tapete branco de mais de 12 mil homens no Carnaval de Salvador. Há quatro décadas, Gil desfila trajando um turbante e soma seu agogô à bateria de chão.

Neste ano, o Gandhy celebra a história do padrinho tropicalis­ta. Antes dele, outro bloco negro decidiu homenageá-lo: o Cortejo Afro, criado em 1998 dentro da tradição militante dos pioneiros Ilê Aiyê, Malê Debalê, Muzenza e Olodum.

A passagem dos 50 anos do tropicalis­mo levará Gil ainda a cantar três músicas do movimento numa terceira homenagem, organizada pelo governo da Bahia. Ele sairá na patuscada do Gandhy até a praça Castro Alves e foi convidado a participar de um dos desfiles do “CorteGil”.

Na segunda (20), o compositor encerrou com jeitão vivaz o ensaio para o show que faria mais tarde ao lado do Cortejo, no Pelourinho.

“Obrigado, até de noite. Ou até de madrugada, de noite já é”, disse à Orquestra do Núcleo de Ópera da Bahia, comandada pelo maestro italiano Aldo Brizzi, que fez os arranjos para 12 canções.

Atrás do palco, Gil avisa que não deve ser o destaque da festa baiana. “Eles estão fazendo uma homenagem à presença do símbolo Gilberto Gil. É uma coisa que, até com certa justeza, consideram importante pra eles. Para o Gandhy, sem dúvida, eu tive um papel”, diz à Folha. PÓS-TRATAMENTO O longo tratamento médico, com repetidas internaçõe­s para reverter uma insuficiên­cia renal, obrigaram-no a repensar a carreira. “A rotina de shows, espero que eu não retome nunca mais!”, brada. E não só por razões de saúde.

“Depois de tudo. Depois de ter me apaziguado mais com o envelhecim­ento, com o fato de querer mesmo ter mais reclusão, mais tranquilid­ade, mais descanso. O que quero fazer, proximamen­te, é um disco, porque já fiz as músicas todas. Quero gravar, possivelme­nte, entre abril e maio”.

O Expresso 2222, camarote criado por ele e Flora Gil, agora será dirigido pela filha, a cantora Preta Gil.

O letrista Carlos Rennó, organizado­r do cancioneir­o de Gil no livro “Todas as Letras” (Companhia das Letras), enlaça a obra do baiano com a campanha Jovem Negro Vivo, da Anistia Internacio­nal, apoiada pelo Cortejo Afro.

Rennó vê atualidade no trecho “Amigos presos/ Amigos sumindo assim/ Pra nunca mais”, de “Não Chore Mais”, a versão de “No Woman, No Cry”, clássico do repertório de Bob Marley: “São versos que serviram à anistia dos presos políticos da ditadura e, agora, para outra opressão terrível e mais numerosa, que é o assassinat­o de jovens negros das periferias”.

Gil compara a violência contra negros à captura de escravos nos tempos coloniais.

“É velha essa história no Brasil. Capitães do mato na época da escravidão. Depois, os grupos de extermínio e o próprio excesso na ação policial, que muitas vezes se manifesta por meio de violência física, mortes, etc”, diz.

“Junta-se a isso a questão da abolição ainda por fazer, uma certa dificuldad­e, um certo preconceit­o que certos setores da sociedade ainda mantêm em relação aos negros.”

O show avança. Depois de cantar “Pai e Mãe”, do álbum “Refazenda” (1975), que aborda a afetividad­e entre homens (“Eu passei muito tempo/ Aprendendo a beijar/ Outros homens/ Como beijo o meu pai”), Gil ironizou uma declaração do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ).

Conta para a plateia que o político disse que “lá em casa não se criou o hábito de ninguém se beijar. Nem pai, nem filho, nem ninguém”. E conclui: “Eu achei engraçado. Lá em casa não, lá em casa nós criamos esse hábito. Há casas e casas...”.

Com um canto que em alguns momentos se aproximava do recitativo, Gil interpreto­u ainda “Andar com Fé”, “Expresso 2222” e “Toda Menina Baiana”.

Empolgado com a refestança, elogiou o maestro Brizzi pelo “enriquecim­ento” do colorido de suas canções e afagou o presidente do Cortejo, o artista plástico Alberto Pitta, por trazer “uma elegância sofisticad­a, uma estética africana que misturou com elementos do Ocidente”.

Na noite das áfricas baianas, Gilberto Gil encerrou: “Sou também um representa­nte de tudo isso que eu acabo de falar”.

A rotina de shows, espero que eu não retome nunca mais! O que eu quero fazer, proximamen­te, é um disco, porque já fiz as músicas todas

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Fernando Vivas - 18.fev.2017/Folhapress Gilberto Gil dá entrevista em Salvador após ensaio com o bloco Cortejo Afro, um dos que o homenageia­m neste Carnaval

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