Folha de S.Paulo

Primeiras gravações de jazz comemoram centenário do gênero

A Original Dixieland Jass Band, que se vangloria de ter inventado o jazz, é citada como clássico exemplo de apropriaçã­o cultural

- CARLOS CALADO

FOLHA

Se você gosta de jazz, prepare seu cartão de crédito. Neste ano, em que se comemoram os centenário­s de nascimento de três saudosos astros desse gênero musical — a cantora Ella Fitzgerald (em 25/4), o pianista Thelonious Monk (10/10) e o trompetist­a Dizzy Gillespie (21/10)—, é bem provável que, nos próximos meses, você não resista a lançamento­s de discos e livros em homenagem a eles.

Outra efeméride, que remete aos primórdios do jazz, será lembrada no domingo (26).

O quinteto Original Dixieland Jass Band realizou um século atrás (mais exatamente em 26 de fevereiro de 1917, em Nova York) as duas primeiras gravações comerciais desse gênero musical. Quem ainda não conhece “Dixie Jass Band One-Step” e “Livery Stable Blues” pode ouvilas facilmente no YouTube. Não se assuste: trata-se de um jazz meio circense e caricato, tanto que ainda era escrito com dois esses (“jass”).

Liderada pelo cornetista (na época os jazzistas ainda não usavam o trompete) Nick LaRocca, músico de Nova Orleans que se vangloriav­a de ter inventado o jazz, a Original Dixieland Jass Band é citada como um clássico exemplo de apropriaçã­o cultural.

Não foram poucos os músicos e estudiosos do gênero que acusaram LaRocca e seus quatro parceiros de Chicago, todos brancos, de terem copiado de músicos negros parte do que tocavam.

Como estavam no lugar certo, no momento certo, LaRocca e a ODJB se deram bem: entraram para a história como a primeira banda norteameri­cana que vendeu mais de 1 milhão de discos.

Ironicamen­te, a proeza de ter feito as primeiras gravações de jazz quase ficou com um músico negro. O cornetista Freddie Keppard (18891993), um dos jazzistas pioneiros de Nova Orleans, chegou a ser convidado pelo selo

A Original Dixieland Jass Band

Victor (o mesmo que produziu os discos da ODJB) a gravar com sua Original Creole Orchestra, ainda em 1915, quando se apresentou com sucesso em Nova York.

Ingênuo, Keppard rejeitou a proposta: acreditou que assim evitaria que outros músicos “roubassem” sua música.

Vale lembrar que, em 1995, a cidade de Nova Orleans, que ostenta o controvers­o título de “berço do jazz”, comemorou outro suposto centenário desse gênero musical. Para isso tomou como marco a criação da banda de jazz do pioneiro cornetista Buddy Bolden (1877-1931).

Claro que os cem anos das primeiras gravações de jazz também serão comemorado­s em Nova Orleans.

O Snug Harbor, um dos melhores clubes de jazz da cidade, recebe neste domingo a Original Dixieland Jazz Band, versão atualizada da banda, que o trompetist­a Jimmy LaRocca (filho de Nick) formou nos anos 1990. Poucos resistem a um lucrativo centenário.

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Rue des Archives/Latinstock

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