‘Burocracia é o pior da pesquisa do país’, diz diretor
DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Para o geneticista francês Hugo Aguilaniu, 41, diretor do Instituto Serrapilheira, o pior da pesquisa científica brasileira é a burocracia.
Ele conhece o sistema de perto. Além de sua mulher ser brasileira, tem boa relação de colaboração com grupos de pesquisa da USP e é fluente em português.
Aguilaniu assume a nova função com um salário de R$ 35 mil e a ideia de que pode dar um empurrãozinho na ciência do país nesse quesito.
Uma das ideias do instituto é bancar a contratação de gerentes para lidar com essas questões, disse à Folha. “O pesquisador não pode desperdiçar energia criativa assim.” CIÊNCIA BRASILEIRA
Sempre tive uma admiração muito grande pelos pesquisadores brasileiros porque as condições de trabalho são muito mais difíceis aqui do que na média na Europa.
Encontrei cientistas espetaculares que, apesar dessa burocracia extremamente pesada, fazem um bom trabalho. Isso é uma pena, porque tira energia criativa do cientista. NOVO EMPREGO
Há um potencial de causar um impacto muito maior à frente de um instituto como esse aqui do que em algo parecido na França ou nos EUA, que já estão em um steady state [estado estacionário] quando o assunto é financiamento científico privado. DESAFIOS GEOGRÁFICOS
Tudo bem que São Paulo produz 30% da riqueza do país, mas não tem por que não ter boa ciência em outros lugares, como o Nordeste. Principalmente em ciências teóricas, que não requer quase nada. O Impa tem um prédio lindo, mas uma casa com duas lousas e computadores já seria o suficiente. BUROCRACIA
Fiz meu doutorado na Suécia e trabalhei nos EUA como pós-doutorado e tenho um laboratório na França. Você quer um produto, tem um grupo de pessoas para o qual você faz o pedido e, no dia seguinte, o produto chega.
Aqui é uma complexidade que ninguém merece. Você tem que preencher papel, justificar, resolver questão de importação. Cada departamento deveria ter uma equipe cuidando só disso. O cientista tem que ensinar, tem que lidar com toda a burocracia e, além de tudo isso, tem que ser criativo e pesquisar. LIBERDADE ACADÊMICA
Se a gente conseguir mostrar que dá para facilitar esse processo dando recursos livres, deixando o pesquisador gastar o dinheiro como ele quiser com uma prestação de contas simples, será ótimo.
É uma cultura diferente das outras agências de fomento. Vamos conseguir fazer isso porque seremos um número pequeno de pesquisadores. Será uma relação de confiança. Vamos apoiar quem tem recursos intelectuais para se virar e fazer ciência de ponta. RESPONSABILIDADE
Se tiver de gastar todo o dinheiro fazendo uma conferência e se isso for um meio de se realizar uma ciência excelente, perfeito. O pesquisador é que sabe.
A gente vai abrir a possibilidade de ele pedir ajuda. No começo da carreira, muitas vezes você precisa de uma ajudinha, de conselhos. Ele poderá ligar e pedir para se consultar com um cientista de referência na área dele. INTUIÇÃO
As pessoas veem a ciência como uma área seca, reta, mas não é assim. No começo de uma ideia há uma intuição de que ali há algo interessante.
O pensamento científico, racional tem uma característica: quando você consegue chegar ao final, há algo lindo. Ele é bonito, bem articulado, traz uma clareza, uma luz.
Tem que ter essa estética, como dizem os matemáticos, o Artur [Avila] fala sobre isso. Não é só mostrar algo, é mostrar algo de uma maneira elegante. ESCOLHA
Sou francês e minha mulher é brasileira. Moramos na França por muito tempo. A ideia de vir para o Brasil estava na nossa cabeça.
Esse anúncio foi encaminhado a mim pelo meu sogro, que assina o boletim da Fapesp. Eu não conhecia a família [Moreira Salles]. Perguntei à minha mulher: “Você conhece a família Moreira Salles”? Ela disse que conhecia, que eram pessoas sérias. E mandei a inscrição.
Acho que é um desafio interessante. Quem gosta mesmo de ciência nunca recusaria um negócio desses.